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I - Introdução
II - A evolução durante o Mesozóico
1 - Introdução - Algumas reflexões sobre as matérias incluídas no tema 3
2 - Uma cobertura cretácica - o grés do Buçaco
3 - Paleogénico
- - Paleogénico do interior do Maciço Hespérico (supra-Buçaco, arcoses de Coja e de Nave de Haver, arcoses da Beira Baixa)
- - Paleogénico da região de Lisboa - o Complexo de Benfica
- - Miocénico possível da Beira Baixa e da Beira Alta
- - Neogénico da Bacia do Tejo
- - O Neogénico da Estremadura
- - A transição Pliocénico-Quaternário - as rañas
5 - Alguns aspectos da evolução geomorfológica durante o Terciário
- - A superfície da Meseta
- - Relevos situados acima da superfície da Meseta
- - Cordilheira Central
6 - Situação num contexto global e neotectónica
- Sismicidade
- Neotectónica
- A situação da Península Ibérica no contexto global das placas e a respectiva evolução
I - Introdução
1 - A cobertura epi-hercínica - definição
Em Portugal, a cobertura epi-hercínica ocupa as orlas ocidental e meridional, assim como as bacias do Tejo e do Sado. Também aparece em certas áreas interiores, de algum modo ligadas às bacias do Douro e do Tejo interior , ou em compartimentos abatidos por falhas, nomeadamente na periferia da Cordilheira central. Todavia, nestas áreas, ela não ultrapassa geralmente 200-300 m de espessura, em algumas bacias pouco extensas.
A partir do Pérmico instalou-se, nas fachadas ocidental e meridional da Península Ibérica , uma margem continental relacionada com os episódios preliminares da abertura do Atlântico e do sulco mesogeu. O ritmo e o estilo da extensão condicionaram em larga medida a sucessão dos fácies sedimentares e as respectivas espessuras, o que significa que a evolução paleogeográfica foi controlada essencialmente por factores tectónicos.
A Orla meridional aparece separada da ocidental . Todavia, os retalhos de Santiago do Cacém e da Carrapateira, assim como os afloramentos imersos entre os cabos Espichel e de S. Vicente, permitem reconstituir a continuidade original da bacia.
Do ponto de vista estrutural, a cobertura da plataforma hercínica está moderadamente dobrada ou apresenta-se como tabular. O estilo tectónico denuncia, quase sempre, a estreita influência exercida pelo soco nas deformações da cobertura. Só na serra da Arrábida o estilo e a intensidade da deformação lembram as das cadeias Cantábrica e Ibérica, que podem ser consideradas como intermédias entre a cobertura epi-hercínica e as cadeias alpinas periféricas.
Contudo, a presença de um complexo evaporítico perto da base da cobertura permite uma certa autonomia desta relativamente ao soco.
2 - Cadeias periféricas e orlas
Nos bordos do Maciço Hespérico instalaram-se, no Meso-Cenozóico, bacias sedimentares cujo conteúdo sofreu deformações alpinas de intensidade muito variável.
Durante a orogenia alpina, à custa das formações depositadas nas bacias que se abriram no contorno do Maciço Hespérico nos tempos post-pérmicos, formaram-se os sistemas Cantábrico, Ibérico, Pirenaico, Bético . Embora menos tectonizadas, originaram-se, nessa altura, as orlas Meso-Cenozóicas portuguesas.
Nos bordos N e SE a deformação alpina foi mais importante , dando origem às cordilheiras Cantábrica e Ibérica e às cadeias alpinas periféricas (Béticas no SE e Pirinéus no Norte). Nestes casos, o soco hercínico e pre-hercínico sofreu uma reactivação mais ou menos intensa durante a orogenia alpina e a cobertura meso-cenozóica foi deformada por dobramentos e carreamentos por vezes de grande amplitude.
No bordo W e SW a deformação alpina foi muito fraca: orlas Meso-Cenozóicas (Orla ocidental e meridional, ou algarvia).
Nestas bacias, onde a sedimentação não foi muito espessa, as formas estruturais são, normalmente, formas simples e "pesadas", decalcadas, provavelmente, nas deformações do soco hercínico subjacente. Exceptua-se a área da Serra da Arrábida em que o estilo tectónico se torna mais movimentado, o que denota uma maior intensidade da deformação alpina.
A existência das Berlengas , que são formadas por rochas graníticas e metamórficas ante-mesozóicas, prova que a Orla ocidental seria um golfo, aberto de Sul para Norte e circundado pelo soco hercínico.
3 - Orla Ocidental ou Lusitana
Durante o Mesozóico instalou-se no lugar da Orla uma fossa alongada segundo a direcção NNE-SSW .
O transporte de sedimentos fez-se a partir do Maciço Hespérico, situado a Este, mas também a partir de uma área continental situada a Oeste, de que as Berlengas constituem o único testemunho emerso. Verifica-se que os sedimentos se enriquecem em elementos detríticos à medida que se caminha para Oeste, a partir do centro da bacia. As paleocorrentes dos sectores ocidentais do Jurássico e Cretácico inferior confirmam a mesma hipótese.
O dispositivo em fossa permite compreender por que se situam os fácies mais profundos e as formações mais espessas (até 5000 m) no centro e os fácies menos profundos e as formações menos espessas na periferia (500-1000 m) (cf. mapa tectónico de Portugal na escala 1:1000.000 ).
Uma vez que a fossa era bastante estreita, uma boa parte dos sedimentos foram depositados perto do litoral e registam, por isso, as variações do nível do mar, que se traduzem por bruscas variações laterais de fácies e de espessura.
O estilo tectónico da Orla Ocidental caracteriza-se pela presença de famílias de acidentes de direcções variadas que correspondem, em grande parte, ao rejogo post-hercínico das fracturas tardi-hercínicas. Ao longo destes acidentes a cobertura foi poderosamente deformada por dobras, falhas e dobras-falha que delimitam blocos no interior dos quais a cobertura conserva um estilo tabular, apenas com deformações de grande raio de curvatura .
Na Orla Meso-Cenozóica Ocidental encontramos as seguintes orientações estruturais:
1 - Direcção N/S , sobretudo junto do bordo ocidental do Maciço Hespérico;
2 - Direcção ENE-WSW , paralela à flexura do Guadalquivir e às cadeias Béticas (=direcção bética);
3 - Direcção NNE-SSW , que predomina nos acidentes diapíricos;
4 - Direcção NW-SE , que corresponde aos acidentes secundários no interior de blocos definidos por acidentes de 1ª grandeza.
5 - Encontra-se ainda um acidente profundo de direcção NNW-SSE , ao longo do qual estão alinhados os maciços anelares subvulcânicos (Sintra, Sines, Monchique). Trata-se, provavelmente, de uma fractura não herdada do soco hercínico, formada na porção mais fina e por isso mais frágil da crusta, próxima da margem continental.
4 - Orla Meridional ou Algarvia
A evolução geológica é semelhante à da Orla Ocidental. A paleogeografia é dominada pela existência de uma flexura de direcção E-W , que separa uma plataforma dolomítica a Norte das séries com fácies mais profundos que se encontram para Sul.
A Norte da flexura predominam as estruturas tabulares e monoclinais de fraco pendor , já que a falta do complexo evaporítico não permite o descolamento da cobertura. A Sul aparecem anticlinais, por vezes tombados para Sul. As intrusões ígneas são frequentes e parecem ser contemporâneas (ou ligeiramente posteriores), relativamente ao manto basáltico de Lisboa.
O complexo evaporítico está injectado nos acidentes mais importantes (Albufeira, P. S. Rafael ) e aflora também em alguns núcleos anticlinais diapíricos (Loulé).
A estrutura de conjunto do Algarve, que se traduz por um monoclinal bastante simples , mergulhando para Sul, poder-se-á explicar através de falhas inversas mergulhando para Norte e cortando o soco, o que estaria de acordo com o jogo tectónico decorrente da proximidade do limite das placas europeia e africana no Neogénico e no Quaternário.
5 - Bacias sedimentares cenozóicas
Bacias exteriores
No exterior do rebordo montanhoso encontram-se as depressões do Ebro e do Guadalquivir , ocupadas por Terciário tabular.
Estas depressões podem ter-se formado devido à compensação isostática da formação das cadeias alpinas (Pirenaica e Bética, respectivamente).
Em Portugal encontramos as bacias do Tejo e do Sado, orientadas segundo acidentes de direcção, respectivamente NE-SW e NW-SE. Trata-se de rifts embrionários que se abriram no início do Cenozóico com uma sedimentação geralmente continental, com incursões marinhas nas áreas ocidentais, onde chegou a transgressão miocénica.
Como são relativamente recentes e pouco espessas, estas bacias estão pouco deformadas, apresentando, normalmente, estruturas aclinais ou monoclinais de baixo pendor. Todavia, nas bacias periféricas (Tejo e Sado , Ebro, Guadalquivir), a deformação foi mais intensa do que nas bacias interiores, por serem áreas mais vulneráveis aos choques entre a microplaca ibérica e a sua periferia e aos movimentos tectónicos daí decorrentes. Além disso, dada a sua situação periférica, a sedimentação apresenta intercalações marinhas.
Correspondem a ligeiras deformações côncavas da Meseta Ibérica, menos acusadas do que as que deram origem às bacias exteriores. Por isso, a cobertura sedimentar é fina e, por vezes, o soco hercínico aflora.
Nas bacias interiores formaram-se depósitos continentais, por vezes lacustres, com estrutura tabular , onde os vales fluviais se encaixam, apresentando cornijas correspondentes ao afloramento das rochas mais resistentes.
6 - Bacias do baixo Tejo e do baixo Sado
A Bacia do Tejo é uma fossa alongada de NE para SW, que se aprofunda para SW. Os seus bordos coincidem com falhas normais que jogaram durante a respectiva subsidência, excepto no bordo NW, onde os calcários mesozóicos cavalgam o Cenozóico da Bacia . O enchimento, cuja espessura atinge cerca de 1400 m, é sempre sub-horizontal. No bordo Este estas séries repousam directamente sobre o soco, enquanto que, a Oeste, elas assentam sobre o Mesozóico da Orla Ocidental.
A Bacia do Sado é uma fossa alongada de NW para SE e cujo bordo SE corresponde a um semi-graben, já que o enchimento da bacia mergulha para a falha da Messejana.
A estrutura profunda das bacias do Tejo e Sado é ainda muito mal conhecida, uma vez que só se dispõe de algumas sondagens profundas e que os dados geofísicos são muito fragmentários.
O enchimento das bacias do Tejo e do Sado compõe-se principalmente de séries detríticas continentais de idade paleogénica e neogénica, com intercalações marinhas e salobras, correspondendo aos máximos das transgressões miocénicas.
7 - Os depósitos de cobertura no interior do Maciço Hespérico - características gerais e interesse geomorfológico
Outras bacias menos espessas e menos extensas cobrem, aqui e ali, o Maciço Hespérico. A idade do seu enchimento vai do Cretácico ao Quaternário. As principais situam-se nos limites NW e SE da Cordilheira Central e funcionaram como bacias subsidentes compensando o seu levantamento. Outras bacias ainda mais pequenas correspondem a graben ou semi-graben ligados aos grandes acidentes tardi-hercínicos (veiga de Chaves , da Vilariça e de Longroiva ).
Num Maciço que corresponde a 70% do território e que está a sofrer erosão desde o fim da orogenia hercínica, os respectivos depósitos de cobertura apresentam um grande interesse geomorfológico, visto que são eles os principais testemunhos, juntamente com as formações da plataforma continental, dessa longa evolução.
Trata-se de depósitos continentais, geralmente de fácies arenoso ou conglomerático , o que, geralmente, dificulta a conservação dos fósseis, que são raros. Os fácies são muitas vezes recorrentes. A maior parte destes depósitos conservaram-se na proximidade da Cordilheira Central , numa área com intensa movimentação tectónica. Por tudo isso, as respectivas correlações com outras áreas são difíceis e incertas. Compreende-se que as ideias àcerca da sequência e mesmo do significado destes depósitos tenham evoluído. Uma vez que existiram variações climáticas significativas nesse longo lapso de tempo, utiliza-se o estudo mineralógico da fracção argilosa para tentar fazer a correlação das diversas formações existentes.
Os movimentos alpinos fracturaram e deslocaram o soco hercínico, dando origem a "horst " e a depressões tectónicas ( graben ).
Os sectores tectonicamente deprimidos funcionam como uma compensação dos elementos soerguidos. Trata-se de bacias tectónicas, com menor dimensão do que as bacias supracitadas, que possuem, em regra, depósitos correlativos da evolução geomorfológica do Maciço Hespérico no fim do Mesozóico e no Cenozóico. Apresentam um maior desenvolvimento no Norte e Centro do país. Essas depressões tectónicas abertas no Maciço Hespérico ( Veiga de Chaves e da Vilariça , Bacia de Mortágua) situam-se nos blocos abatidos correspondentes aos acidentes tardi-hercínicos de orientação NNE-SSW.
As plataformas da Beira Alta e da Beira Baixa e as bacias da Lousã e de Arganil correspondem a sectores deprimidos em relação à Cordilheira Central e apresentam uma orientação diferente (NE-SW a ENE-WSW, dita direcção Bética).
A cronologia dos depósitos discordantes sobre o Maciço Hespérico, geralmente sem fósseis, é duvidosa. Baseia-se em relações locais e em correlações distantes. A existência de fácies sujeitos a recorrências dá um carácter pouco seguro a muitas dessas correlações. Além disso, estes depósitos são raros na metade Norte do país. Por isso, a evolução post-hercínica é mais bem conhecida para o Centro e o Sul do País.
A Meseta está, como já dissemos, dividida em duas partes pela Cordilheira Central. Além disso, ela está rodeada por uma série de relevos periféricos . Alguns deles (Montes de Léon, parte da Cordilheira Cantábrica, Galiza, Noroeste de Portugal, Serras da Freita e do Caramulo, Maciço Marginal de Coimbra, serras da Grândola e do Cercal , Serra do Caldeirão, Serra Morena, em Espanha) correspondem a elementos do Maciço Hespérico tectonicamente soerguidos.
Outros correspondem a sectores cobertos por sedimentação mesozóica e cenozóica e constituem as orlas ocidental e meridional e as cadeias periféricas moderadamente dobradas (Montes Ibéricos, Cadeia Catalã).
Deste modo, a Meseta está rodeada de relevos em toda a sua periferia. Esse relevo é menos vigoroso do lado ocidental, permitindo alguma penetração das influências marinhas para o interior. A maior parte dos rios vencem os declives correspondentes às cadeias periféricas com profundas gargantas. É o caso do Ebro, que, depois de correr numa bacia cenozóica tem que atravessar a Cordilheira Catalã. Todavia, o Guadalquivir, cuja bacia é limitada a NW pela Serra Morena e a SE pelas cadeias Béticas, corre para o mar sem encontrar obstáculo de maior.
8 - Algumas reflexões sobre o conteúdo e a estruturação do tema 3
Depois de estudados, em linhas gerais, os aspectos estruturais referentes às orlas, torna-se necessário referir, de modo sintético, a história geológica e a litologia correspondente aos materiais formados durante o Mesozóico. A respectiva evolução geológica será referida para que os alunos tenham consciência dessa mesma complexidade e porque só assim é possível compreender as variações de fácies e, consequentemente, de litologia, que se encontram na Orla Ocidental.
Todavia, atendendo às dificuldades experimentadas pelos alunos em apreender a Geologia destas áreas com o pormenor que seria desejável, basearemos a nossa exposição na análise de mapas e de fotografias que possam ajudar os estudantes a familiarizar-se com algumas das respectivas formações, de molde a que elas possam servir de referência para a compreensão da respectiva evolução paleogeográfica, que permitirá a integração das diferentes peças num puzzle coerente. Algumas das formações (grés de Silves , margas da Dagorda ) serão tratadas com um pouco mais de pormenor, dado o seu interesse para a compreensão da evolução do Maciço Hespérico no início do Mesozóico e para o estudo das áreas diapíricas.
O estudo das coberturas discordantes e a evolução do território no fim do Mesozóico e no Cenozóico corresponde ao 3º tema, que pretendemos que tenha características mais especificamente geomorfológicas. Pretendemos, com isso, fazer uma análise de maior pormenor dos assuntos mais especificamente geomorfológicos e mostrar assim que, apesar das pontes que existem entre a Geologia e a Geomorfologia, a nossa área específica, como geógrafos, representa um certo corte metodológico relativamente aos assuntos mais especificamente geológicos. É evidente, todavia, que à medida que afloramos alguns temas deste capítulo (por exemplo, os grés grosseiros do Cretácico) tentamos estabelecer a ligação para o seu posterior desenvolvimento no tema 3.
II - A evolução durante o Mesozóico
Não existem quaisquer formações post-carbónicas no Maciço Hespérico, com a excepção do Autuniano (Pérmico inferior) do Buçaco.
A falta de todo o Pérmico superior e de uma boa parte do Triássico parece provar que, nessa altura, o Maciço Hespérico correspondia a uma área elevada que sofria uma erosão intensa. Com efeito, na base do Mesozóico já se encontram elementos dos granitos post-tectónicos cuja formação deverá ter ocorrido durante o Pérmico, a profundidades não inferiores a 1,5 km, o que permite calcular o desaparecimento, por erosão, de pelo menos 1,5 km de rochas, entre o Pérmico e o Triássico. Durante o Pérmico a drenagem realizar-se-ia no sentido W-E , em direcção ao Mar de Tétis.
A subida do Maciço recém-formado poderá explicar-se, quer por compensação isostática do espessamento e encurtamento crustal resultante da orogenia hercínica, quer pela intumescência térmica anterior à formação de um novo rift.
Para explicar esse fenómeno de erosão intensa poderemos também invocar o clima. Este deveria ser árido ou semi-árido, o que implicaria uma grande intensidade nos processos de desagregação mecânica. Os produtos dessa desagregação seriam transportados por correntes lamacentas , desde os relevos, situados a Leste e também a Oeste, até às depressões tectónicas que começam a esboçar-se na área correspondente à Bacia Lusitana. A formação dos grés vermelhos do Triássico também implica uma mudança no sentido da drenagem, que durante o Pérmico se fazia para Leste e que agora passa a dirigir-se para Oeste.
Nas periferias da bacia em formação os depósitos são detríticos , mais ou menos grosseiros. Mas no centro da bacia as formações vão-se tornando cada vez mais finas o que, num meio árido ou semi-árido, em condições de drenagem endorreica, acaba por originar a formação de evaporitos e margas . Estas rochas estão presentes, condicionando a existência de diapiros, não só na Orla Ocidental, mas também ao longo da plataforma continental, até à Galiza.
O aprofundamento das bacias tectónicas acima referidas vai permitir a sua invasão por um braço de mar, no Triássico superior e infra-liássico. Essa primeira transgressão episódica vai ser seguida por uma outra, muito mais duradoura, que se estende durante a maior parte do Liássico e durante quase todo o Dogger, com excepção das suas fases finais. Essa transgressão é responsável pela formação de espessas séries calcárias que constituem a ossatura de diversas serras existentes nas orlas Ocidental e Meridional.
A sobreposição de rochas plásticas (margas e evaporitos) por calcários, no centro da Bacia Lusitana, bem como a actuação de movimentos tectónicos, sobretudo a partir do Cretácico superior, vai contribuir para um processo de halocinese, responsável pela ocorrência de fenómenos de diapirismo.
Os fenómenos de distensão dominam durante quase todo o Mesozóico. A abertura de bacias tectónicas e a sua invasão pelo mar acaba por produzir uma sedimentação muitas vezes carbonatada.
A partir do Cretácico superior, a esta morfologia de distensão segue-se uma morfologia compressiva, devida aos sucessivos choques entre a Ibéria e o resto da placa europeia, a Norte (Eocénico), e a placa africana, a Sul (Oligocénico-Miocénico ). Esses fenómenos compressivos vão condicionar a existência de diferentes relevos correspondendo a cada uma dessas faixas de colisão. Deste modo, a periferia da Península Ibérica apresenta algumas das características das regiões mediterrânicas (onde a colisão intercontinental é particularmente activa). Essa movimentação tectónica estende-se mesmo à fachada ocidental da Península, teoricamente correspondente a uma margem inactiva (embora A. Ribeiro proponha que ela está a evoluir para um margem activa) .
A evolução geológica nas bacias Lusitana e Algarvia é semelhante até ao Jurássico superior.
Dessa analogia ressalvam-se naturalmente algumas diferenças que se devem à menor extensão da bacia Algarvia e à inexistência do complexo evaporítico. O não descolamento do Mesozóico relativamente ao substrato paleozóico, com o decorrente carácter monoclinal da maior parte da bacia e a raridade dos acidentes diapíricos , fica a dever-se à falta deste complexo.
A partir do Jurássicosuperior, a subsidência prolongada que sofre a bacia Algarvia vai condicionar a persistência de deposição de calcários margosos, enquanto que na Bacia Lusitana a abertura do novo rift a Oeste do primitivo vai determinar fenómenos de emersão com a decorrente erosão das séries anteriormente depositadas no fim do Dogger e no início do Malm.
2 - Triássico e base do Liássico
Os afloramentos da base do Mesozóico situam-se no contacto com o soco ou no seio das formações mais recentes.
No 1º caso (série ou andar dos "Grés de Silves" ) dispõem-se em séries monoclinais falhadas, apoiadas em diferentes termos do Paleozóico (sendo o mais recente o Pérmico inferior greso-conglomerático do Buçaco).
No 2º caso estão fortemente tectonizados e o respectivo posicionamento está ligado a fenómenos diapíricos ( margas da Dagorda e unidade carbonatada superior). Situam-se a Norte do Tejo, com a excepção dos pequenos afloramentos da Arrábida ( Sesimbra ).
1. Os "Grés de Silves" a Norte do Tejo
Através da análise de muitos cortes pode verificar-se que os "Grés de Silves " não têm fácies homogéneo nem espessura constante à escala do afloramento. Assentam sobre uma superfície de erosão, a não ser quando o contacto é por falha.
A série mais completa localiza-se nas proximidades de Coimbra . A Sul desta cidade verifica-se uma diminuição da espessura da formação. Junto ao contacto setentrional com o Maciço Hespérico é possível individualizar três sequências principais (A, B e C).
A unidade A é constituída por conglomerados poligénicos com calhaus de granito e de rochas metamórficas variadas e arenitos mais ou menos ricos em feldspato. Os fácies finos são raros e de cor de borra de vinho . Trata-se de depósitos continentais transportados por águas canalizadas ou espraiadas, límpidas ou lamacentas. As paleocorrentes de regime variável, ligado a um clima semi-árido, quente com estações contrastadas, alimentavam-se a partir do Maciço Hespérico.
A unidade B é constituída por fácies detríticos mais bem calibrados (arenitos beges a esbranquiçados , ricos em feldspatos ="Grès a nuances claires" de P. Choffat) , com origem fluvial e assentes numa superfície de ravinamento. No topo, que corresponde ao limite entre o Triássico e o Liássico, apresenta fácies marinhos, com numerosos fósseis.
A unidade C é constituída de novo por fácies terrígenos.
2. A base do Mesozóico nas áreas diapíricas
Trata-se de depósitos muito tectonizados e sem horizontes de referência (paleontológicos ou outros) que permitam fazer uma estratigrafia fina.
É constituída por uma unidade argilo-evaporítica e uma unidade carbonatada. É ao primeiro conjunto que se chamou de " Margas da Dagorda ". As sondagens realizadas perto das áreas tifónicas atingiram importantes massas de evaporitos representados por sulfatos de cálcio e sal gema (complexos salinos) com várias dezenas de metros de espessura, localmente explorados.
Tanto no Algarve como a Norte do Tejo, os "Grés de Silves" do bordo da bacia representam uma parte do Triássico e a base do Liássico . Deve acontecer o mesmo relativamente aos depósitos de Santiago do Cacém e à série argilo-evaporítica das áreas diapíricas.
Contudo, a idade da base da sedimentação não é conhecida.
A Norte do Tejo, o Autuniano inferior do Buçaco está coberto em discordância angular por conglomerados com calhaus de granito porfiróide provenientes dos granitos pós-tectónicos. Assim, estes depósitos detríticos grosseiros podem ter-se formado a partir do Pérmico no bordo ocidental do Maciço Hespérico.
O aspecto mais interessante destas formações de base do Mesozóico é a possibilidade de através delas explicar aos alunos como, em condições climáticas de tipo semi-árido , na periferia de uma cadeia montanhosa em erosão, a abertura de uma bacia tectónica, percursora da abertura de um novo rift (cf. R. G. Walker, 1984), vai permitir a formação mais ou menos simultânea de leques aluviais (grés de Silves) e de sebkhas , onde se vão depositar margas e evaporitos (margas da Dagorda).
3. Acidentes de tipo diapírico
É a altura de discutir a noção de " vale tifónico " e a forma como ela se articula com a de acidente diapírico.
O complexo evaporítico hetangiano localiza-se por vezes ao longo dos acidentes béticos (diapiros de Leiria, Matacães e Sesimbra ). Contudo, as áreas diapíricas parecem situar-se preferentemente sobre os taludes que rodeiam a Bacia Lusitana . Estes devem corresponder a falhas normais ao nível do soco, que foram activas no decurso da sedimentação do conteúdo da fossa. Assim, os diapiros formam duas faixas alongadas segundo a direcção NNE-SSW . Do lado ocidental as estruturas estão inclinadas para Oeste e do lado oriental para Este (cf. fig. de G. Zbyszewski inserida em A. Ribeiro et al., p. 25 ).
A migração lateral do complexo evaporítico para o núcleo dos anticlinais diapíricos induziu a formação de bacias de afundamento que se localizaram na parte mais profunda da fossa lusitana.
Vários factos sugerem que a movimentação nas áreas diapíricas prosseguiu pelo menos até ao Miocénico. Efectivamente, estas áreas são zonas de fraqueza que rejogaram em cada período de compressão. Dados recentes (J. M. Cabral, 1993) parecem comprovar movimentações post miocénicas, com inversão tectónica e transformação em graben em compressão.
Ver foto do vale tifónico na área de Óbidos
Predominam os calcários dolomíticos e margosos . A certa altura, as amonites penetram na bacia, o que denota uma transgressão marinha. O estudo das amonites é particularmente interessante na medida em que a existência simultânea de formas boreais e mediterrânicas permite mostrar a existência de um braço de mar que põe em comunicação os dois domínios.
Na base do Dogger a sedimentação torna-se mais calcária, embora subsistam alguns níveis margosos. É desta idade o essencial dos maciços calcários existentes nas orlas portuguesas, constituídos, muitas vezes, por formações oolíticas, que evocam um meio de sedimentação pouco profundo e agitado.
Depois da regressão que se inicia no fim do Dogger e que arrasta a desaparição dos fácies marinhos durante o início do Malm aparece uma nova transgressão que marca o início de um novo ciclo sedimentar (Lusitaniano de P. Choffat ). No Jurássico superior (Kimeridgiano) as formações são, de novo, essencialmente detríticas.
No início do Cretácico predominam as formações continentais, detríticas. Só na região de Cascais-Sintra-Belas existem fácies carbonatados litorais.
No Cenomaniano inicia-se uma nova transgressão que poderá relacionar-se com uma aceleração da subsidência da margem continental. Depositam-se, de novo, formações calcárias ( Turoniano ) sobre os grés do Cretácico inferior (grés grosseiros inferiores ).
Para o fim deste andar as tendências regressivas acentuam-se (grés grosseiros superiores). Em toda a área a N da linha Nazaré-Leiria ter-se-ia desenvolvido uma planície aluvial com depósitos de cobertura coalescentes.
Depois da transgressão do Cenomaniano o mar abandonou quase completamente a margem continental ao Sul do acidente da Nazaré. No Norte, contudo, há episódios marinhos durante o Turoniano e até ao Campaniano, altura em apenas restava um pequeno golfo nos arredores de Mira, onde se formavam sedimentos de meio marinho costeiro pouco profundo.
Na região a Sul da Nazaré existiam fenómenos importantes de vulcanismo.
A rotação sinistra da Península Ibérica , correlativa da abertura do Golfo da Gasconha, parece ter provocado um afundamento progressivo, de Norte para Sul, de blocos fracturados que estão na origem de depressões favoráveis à sedimentação continental e mesmo marinha. A distensão devida à abertura daquele Golfo facilitou a extrusão de material vulcânico e a instalação dos maciços sub-vulcânicos de Sintra , Sines e Monchique .
8 - A actividade magmática no Mesozóico
Podem identificar-se quatro ciclos, com períodos de cerca de 30 MA e intervalos de repouso da mesma ordem de grandeza.
O 4º ciclo de actividade magmática situa-se no intervalo 100-70 MA (Cretácico superior). Manifesta-se essencialmente a Sul de Torres Vedras (Mafra, Runa, Complexo basáltico de Lisboa, maciços de Sintra, Sines e Monchique ).
Os maciços de Sintra, Sines e Monchique formaram-se no intervalo de 80-70 MA e mostram uma tendência que parece ser geral na fossa Lusitana: a migração das idades magmáticas para o Sul, em cada um dos ciclos. É de assinalar que esta fossa deixou de funcionar depois do fim do vulcanismo. Assim, os fenómenos de epirogénese e de vulcanismo parecem ter uma certa relação temporo-espacial durante o Mesozóico.
Os complexos anelares de Sintra, Sines e Monchique estão alinhados segundo um desligamento dextro NNW-SSE. Todos eles estão alongados segundo uma direcção E-W e cortados por desligamentos sinistros NE-SW.
9 - Síntese da evolução paleogeográfica durante o Mesozóico e suas relações com a abertura do Oceano Atlântico
A evolução post-hercínica pode ser subdividida em várias etapas ligadas às fases de evolução da margem inactiva atlântica e da margem activa mediterrânica. A síntese final apoiar-se-á nos conhecimentos adquiridos pelos alunos àcerca das formações mais relevantes e na análise dos esquemas de J. R. Vanney e D. Mougenot (1981) que foram digitalizados e coloridos de molde a permitir uma melhor identificação das diferentes formações e dos ciclos de trangressão/regressão responsáveis pelas variações de fácies identificadas bem como o quadro também de Mougenot.
A primeira etapa corresponde ao período do Triássico ao Dogger. Há fenómenos de rifting na margem Sul do Tétis, acompanhado de emissões magmáticas. Ao longo do rift intracontinental que vai evoluir para dar a Bacia Lusitana a circulação oceânica é, inicialmente, limitada, daí resultando parte do complexo evaporítico . Mas a persistência da distensão permitirá a subsidência da margem e a abertura progressiva de um mar com uma circulação mais evoluída durante o Liássico e o Dogger .
A segunda etapa estende-se do Malm ao Paleogénico: o rift atlântico desloca-se para Oeste, para a localização do oceano actual, com formação de crusta oceânica, o que contrasta com o estádio anterior, abortado . A detumescência térmica devida à migração do rift para Oeste teria provocado fenómenos compressivos que explicariam os acidentes cavalgantes que afectam as diversas séries até ao Malm. A subsidência ligada ao segundo período de rifting prossegue durante o Cretácico, originando uma curta transgressão durante o Cenomaniano-Turoniano .
No Cretácico superior as tendências regressivas acentuaram-se. Da bacia existente durante o Jurássico médio apenas restava um pequeno golfo nos arredores de Mira , onde se formavam sedimentos costeiros. Isto prova que a Bacia Lusitana deixou praticamente de funcionar a partir do final do Cretácico , o que coincide com a emergência dos fenómenos de vulcanismo . A partir desse momento, só episodicamente se encontram fácies marinhos ligados às trangressões do Miocénico.
A existência de uma crusta pouco espessa nas orlas explica a importância da emissão de basaltos e de diabases. No fim do Cretácico, a rotação da Península devida à abertura do golfo da Gasconha é responsável pela actividade vulcânica que se verifica em toda a área a Sul da Nazaré, e, com maior incidência, na região de Lisboa, bem como pela instalação dos complexos anelares subvulcânicos , ao longo de um acidente de direcção NNW-SSE. É também nessa altura que se inicia o enchimento da Bacia do Tejo.
De um modo muito genérico, podemos dizer que o enchimento da bacia se processou até ao Turoniano . Depois disso predominaram os fenómenos de compressão, originando movimentações tectónicas de diversos tipos, com os decorrentes fenómenos erosivos.
É a altura de referir o trabalho de P. Proença Cunha (1992), que estabelece uma correlação entre certas formações cretácicas da Orla Ocidental (grés grosseiros inferiores, fácies carbonatado e grés grosseiros superiores) com as diversas formações que constituem o "Grupo do Buçaco".
Com efeito, o grés do Buçaco
, pelas relações que apresenta com depósitos
arcósicos paleogénicos (Grés de Coja) funciona
como uma espécie de leitmotiv para a evolução
geomorfológica do fim do Mesozóico e do Paleogénico.
Por isso, embora tenha idade mesozóica, será estudado,
conjuntamente com as restantes coberturas discordantes sobre o
Maciço Hespérico, na última parte deste programa
(tema 4).
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1 - Algumas reflexões sobre as matérias incluídas no tema 3
Sabemos que estes temas não são lineares e é impossível fazer deles uma arrumação rígida. Por isso procuramos encontrar um encadeamento lógico entre os fenómenos, fazendo sínteses parcelares da evolução geomorfológica quando os alunos tiverem apreendido os dados essenciais sobre cada conjunto de depósitos.
Associamos neste último tema a evolução cenozóica com as diversas coberturas discordantes sobre o Maciço Hespérico, a maior parte das quais são efectivamente cenozóicas. Existe, todavia, uma importante excepção, o grés do Buçaco, tido como cretácico e que tratamos aqui devido às relações que ele mantém com as coberturas cenozóicas.
O conhecimento geomorfológico do país está longe de ser uniforme. As teorias e as decorrentes metodologias científicas variaram ao longo do tempo. Por outro lado, se há áreas privilegiadas (ex., o Portugal central) , alvo de diversos estudos elaborados com diferentes perspectivas e metodologias, onde começa a ser possível fazer correlações (fachada Norte e Sul da Cordilheira Central, por exemplo), outras há (Trás-os-Montes ) que só agora começam a ser afloradas sob o ponto de vista geomorfológico. O acesso dos estudantes a essas áreas também é condicionado pela distância e acessibilidade. Por isso, dentro da vastidão e extrema complexidade de um tema como a evolução geomorfológica de Portugal é necessário optar pelas áreas e assuntos que funcionam como referências para a comunidade científica da especialidade, de modo a que os estudantes adquiram um utensílio de trabalho que lhes permitam descodificar as leituras que façam no âmbito desta ou de outras disciplinas de índole geomorfológica.
A nossa exposição basear-se-á numa análise das formações representadas na Carta Geológica de Portugal, de escala 1:500.000 (1992), e na Carta Geomorfológica de Portugal, da mesma escala (1981). A observação desses mapas permitirá identificar as áreas mais ricas em depósitos discordantes e começar a delinear as causas gerais dessa distribuição. Seguir-se-á uma apresentação das características de cada formação, acompanhada, na medida do possível, da discussão da respectiva problemática. A integração de cada depósito no respectivo contexto será feita com base no excelente repositório de mapas geomorfológicos do país apresentados e comentados por S. Daveau (in O. Ribeiro et al., 1987).
A articulação do tema será feita através de um fio condutor de tipo cronológico, como se no filme da história geomorfológica do país se fizesse um maior desenvolvimento, um "zoom" dos assuntos mais relevantes e esclarecedores da história que se está a contar.
Assim, a elaboração da superfície da Meseta será discutida depois de estudados os seus depósitos de cobertura. O estudo das irregularidades da superfície da Meseta conduzir-nos-á aos relevos situados acima da superfície e à análise das razões que explicam essa situação. A identificação de relevos com origem tectónica conduzir-nos-á ao estudo da surreição da Cordilheira Central . A deformação dos depósitos tipo raña à noção de neotectónica .
Esta mesma noção será amplamente desenvolvida a propósito da evolução da plataforma litoral, que permitirá aflorar a questão das variações climáticas e eustáticas no Quaternário. Voltaremos, brevemente, ao estudo das montanhas para referir alguns aspectos das glaciações würmianas nas montanhas portuguesas.
No final, tentar-se-á delinear a evolução geomorfológica de Portugal e da Península no fim do Mesozóico e no Cenozóico, à luz de uma interpretação baseada na tectónica global.
II - Uma cobertura cretácica - o grés do Buçaco
No final do tema 3 foi referida a existência de uma cobertura, situada sobre o Maciço Hespérico, que parece ser equivalente às formações de idade cretácica (grés grosseiros inferiores , formação carbonatada , grés grosseiros superiores) da Orla Ocidental. Trata-se assim do depósito mais antigo que pode testemunhar a evolução geomorfológica do interior do Maciço Hespérico. A sua conservação fica a dever-se a uma intensa silicificação , que ocorre nas proximidades das cristas quartzíticas (grés do Buçaco), ou à sua situação em compartimentos abatidos (bacias da Lousã e de Miranda do Corvo).
Os textos de O. Ribeiro (1949, reed. em 1982) consideravam a existência de uma unidade inferior, rica em caulinite, silicificada junto às cristas quartzíticas (grés do Buçaco). Sobre ele repousaria uma formação rica em feldspatos ("supra-Buçaco"), englobando elementos de arenito silicificado .
A descoberta de uma outra série arcósica, na bacia da Lousã, complicou um pouco o problema, uma vez que, tratando-se de uma área muito tectonizada, não se sabia se se tratava do "supra-Buçaco" ou de uma formação diferente. Actualmente pensa-se (S. Daveau et al. (1985) que existe uma série com caulinite, enquadrada por duas séries ricas em feldspatos ou em montmorilonite. A série superior corresponderia ao "supra-Buçaco" e as duas inferiores ao grés do Buçaco. Este último apresenta-se com dois fácies diferentes:
1 - fácies inferior, arcósico
Corresponde a um depósito arcósico, formado em condições que permitiram a conservação dos feldspatos (clima fresco ou seco).
2 - fácies superior, silicificado
No Buçaco, os grés apresentam-se silicificados e muito endurecidos. A silicificação seria correlativa de uma paragem na sedimentação, sob clima relativamente seco.
Os grãos são bem rolados e calibrados, indicando uma origem mais ou menos distante. O feldspato é raro e alterado. A caulinite predomina na fracção argilosa. Aparentemente, o fácies superior do grés do Buçaco resulta da alteração, durante o início do Cenozóico, da parte superior de um depósito inicialmente arcósico, alteração essa que se efectuou sob um clima mais quente e húmido do que aquele que presidiu à sua formação.
A base do grés , no flanco oriental da Serra do Buçaco, é constituída por elementos angulosos embalados numa matriz argilosa, a que se seguem bancadas de grés já silicificado . A existência de elementos grosseiros angulosos na base do depósito prova que a crista quartzítica do Buçaco não tinha sido completamente arrasada, mas constituía um relevo que fornecia, por desagregação mecânica, os referidos elementos angulosos .
O grés do Buçaco era geralmente atribuído ao Senoniano (Cretácico Superior). O aparecimento de restos vegetais mais antigos e a correlação com as formações da Orla Ocidental começa a apontar no sentido de que a base do grés se tenha formado no fim do Cretácico inferior (S. Daveau et al., 1985 , R. Pena dos Reis, P. Proença Cunha, 1987). Deste modo, só o topo do grés do Buçaco seria Senoniano, como se admitia tradicionalmente para a totalidade do depósito.
O grés do Buçaco tem origem em afloramentos graníticos e portanto teve que percorrer 30 km (se a origem estava nos granitos da Beira Alta, situados a NE) ou de 60 km (se a origem se situava a leste, na Gardunha), para atingir a área de deposição. Para explicar a sua formação é necessário invocar uma tendência para a subida nas áreas de origem, e para a descida nas áreas de acumulação do depósito.
O grés do Buçaco não tem paralelo na fachada
sul da Cordilheira Central. Parece, assim, haver uma certa tendência
para que as formações nesta fachada sejam mais recentes
do que as da fachada norte da Cordilheira Central. A ausência
de elementos de xisto mostra que o acidente da Nazaré não
tinha rejogado ainda.
É um período mal conhecido da história geológica de Portugal. Só depois da datação de algumas jazidas de referência foi possível interpretar melhor estas formações.
Na bacia do Douro predominam as formações paleogénicas provenientes de uma fase primitiva de erosão da Cordilheira Central. Também na Bacia do Mondego se encontram restos de uma cobertura detrítica atribuída ao Eocénico (grés de Coja ). Esta situação contrasta com a que se encontra a Sul da Cordilheira Central, onde o Paleogénico só aparece em bacias periféricas (Sarzedas , por exemplo).
Isso resulta da principal fase orogénica, a Norte, ter sido a pirenaica (Eocénico terminal) e, a Sul, a neocastelhana (fim do Miocénico inferior e início do Miocénico médio), na sequência da colisão do resto da Península com uma parte da placa africana, originando a Cordilheira Bética.
1 - Paleogénico do interior do Maciço Hespérico ( supra-Buçaco , arcoses de Coja e de Nave de Haver, arcoses da Beira Baixa)
Arcoses de Coja
O chamado "supra-Buçaco " (O. Ribeiro, 1949, reed. 1982) corresponde a uma arcose mais grosseira do que o grés do Buçaco, que teria sido transportada sob a forma de blocos graníticos resultantes da erosão do relevo soerguido aquando do paroxismo da fase pirenaica. Estes blocos graníticos, posteriormente desagregados, teriam originado um depósito rico em montmorilonite e com feldspatos conservados. Além disso ( S. Pedro Dias, Poiares), aparecem na massa do depósito elementos do grés do Buçaco (fácies silicificado). Aparecem frequentemente sob as rañas que se situam para leste da crista do Buçaco.
A descoberta de fósseis permitiu datar os grés de Coja do Eocénico terminal. Os fósseis descobertos em Tondela permitem afirmar que a parte mais importante das arcoses do interior da Beira Alta é paleogénica como o grés de Coja. Todavia, há depósitos relativamente mais grosseiros, provavelmente miocénicos, que não são fáceis de distinguir das arcoses de Coja, uma vez que também são correlativos de uma movimentação tectónica sobre um relevo granítico.
Arcoses de Nave de Haver
O nível inferior das arcoses de Nave de Haver (rico em montmorilonite, feldspático, de cor acinzentada ou esverdeada ) é provavelmente eocénico, tal como os depósitos de Zamora e Salamanca. O nível superior parece corresponder a um remeximento desse depósito. Apresenta cor avermelhada e alguma caulinite e poderá atingir o limite Oligocénico-Miocénico. Por isso, podemos concluir que as arcoses de Nave de Haver deverão ser paleogénicas.
Outros depósitos situados no interior do país (Trás-os-Montes e Longroiva ) poderão ter, também, uma idade paleogénica.
Arcoses da Beira Baixa
Estudos recentes (P. Proença Cunha, 1992) atribuem aos depósitos arcósicos da formação areno-conglomerática do Cabeço do Infante (bacia de Sarzedas) uma idade eocénica a oligocénica. Assim sendo, os níveis inferiores das arcoses da Beira Baixa poderiam correlacionar-se com as arcoses de Coja.
Aparentemente, as arcoses eocénicas relacionam-se com a compressão pirenaica e (ou) com uma crise de aridez, que permitiu uma intensificação da meteorização mecânica e a conservação dos feldspatos.
A Península, que se tinha separado da Bretanha durante o Cretácico , originando o Golfo da Gasconha, vai começar a migrar para Norte, empurrada pela migração, também para Norte, da placa africana, devida à abertura do Atlântico Sul. Uma parte da crusta oceânica recém formada do Golfo da Gasconha é subduzida e, no seu prolongamento, dá-se o choque intracontinental que origina os Pirinéus. É essa movimentação, que atinge, sobretudo, o Norte da Península, que parece ser responsável pela formação das arcoses eocénicas.
Sobre esse conjunto de formações eocénicas, que poderão atingir o Micénico, aparecem derrames muito grosseiros que se ligam ao Vilafranquiano, as rañas.
2 - Paleogénico da região de Lisboa - o Complexo de Benfica (não foi tratado)
Trata-se de um conjunto bastante heterogéneo de séries continentais. As principais referências dizem respeito a fases tectónicas.
O material detrítico da série mais antiga, essencialmente arcósico, provém integralmente do Maciço Hespérico (cujos granitos ficam a uma distância de cerca de 200 km). Deverá corresponder ao Eocénico (como na Nazaré, em que conglomerados semelhantes assentam sobre uma escoada basáltica).
Na unidade intermédia os elementos calcários predominam sobre os originários do Maciço Hespérico. Parece datar-se da primeira metade do Oligocénico.
A unidade mais recente está separada das subjacentes por uma descontinuidade devida a importante fase tectónica, a que se fica a dever-se a deposição de grandes blocos que atingem um metro de diâmetro. Esta fase tectónica deverá ser a fase castelhana (segunda metade do Oligocénico).
Esta rápida informação sobre o Complexo
de Benfica destina-se, sobretudo, a fornecer aos estudantes uma
referência para o estabelecimento de correlações
entre as formações da Bacia do Tejo e os depósitos
situados no interior do Maciço Hespérico.
Ao contrário do Paleogénico, o Neogénico está bem representado em Portugal. As formações miocénicas são mais importantes a Sul da Cordilheira Central e do acidente da Nazaré, salientando-se o seu grande desenvolvimento na Bacia do Tejo.
O Pliocénico corresponde a uma paleogeografia totalmente diferente, porque se desenvolve como uma uma faixa mais ou menos extensa, situada ao longo de todo o litoral.
1 - Miocénico possível da Beira Baixa e da Beira Alta
Na região de Sarzedas , (mapa da região de Castelo Branco, mapa pormenorizado deSarzedas ) sobre as arcoses da formação areno-conglomerática do Cabeço do Infante , de idade provavelmente eocénica a oligocénica, encontra-se uma formação essencialmente arenosa ( Unidade arenosa de Silveirinha dos Figos ), bastante mais bem calibrada do que a anterior e que parece corresponder a uma fase de uma certa acalmia tectónica, com transporte através de cursos de água com canais anastomosados. Esta fase poderia corresponder ao Miocénico médio a superior. Ver bloco diagrama sobre a evolução dos sedimentos na área de Sarzedas. Ver evolução de fácies na mesma área.
Sobre essa unidade encontram-se importantes massas de sedimentos argilosos resultantes, essencialmente, da alteração de fragmentos de xistos de dimensões muito variáveis oriundos do complexo xisto-grauváquico. Os calhaus de quartzo filoniano são também componentes importantes, enquanto que a contribuição dos granitos é muito limitada. Trata-se daquilo que foi designado (P. Proença Cunha, 1987 e 1992) como "Unidade conglomerático-argilosa de Sarzedas".
Também na Beira Alta, na área de Sacões, sob os depósitos tipicamente de raña (=Conglomerados de Stª Quitéria , segundo P. Proença Cunha, 1992), podemos encontrar formações idênticas a estas, com elementos fundamentalmente xistentos, que denotam uma primeira movimentação da Cordilheira Central (Formação de Campelo, Conglomerados de Telhada, segundo o autor acima referido).
Sabemos que estes depósitos são posteriores às arcoses de Coja (fim do Eocénico). Por outro lado, estão cobertos pelas rañas (idade possível Vilafranquiano). Assim, uma idade Miocénica superior é bastante provável.
2 - Neogénico da Bacia do Tejo (Não foi tratado)
A Península de Setúbal apresenta espessas séries mio-pliocénicas, constituindo o sinclinal da lagoa de Albufeira. A espessura do neogénico prova uma subsidência activa, compensada pela sedimentação de origem fluvial, transportada a partir de áreas levantadas por rejogo dos acidentes tardi-hercínicos, por um curso de água poderoso a que se poderia designar de pré-Tejo (cf. T. M. Azevedo, 1985).
A região terminal da bacia foi foco de vários ciclos transgressão-regressão, particularmente nítidos durante o Miocénico. Nessa altura existiram alternâncias climáticas importantes, com passagem de um ambiente de floresta a savana e mesmo a estepe.
As formações admitidas como pliocénicas são menos extensas e menos bem conhecidas. Correspondem a sedimentos grosseiros, geralmente continentais, com argilas, gesso, diatomitos e linhitos, como na região de Rio Maior (S. Daveau et al., 1985). Todavia, alguns depósitos supostamente pliocénicos poderão corresponder ora a depósitos miocénicos ora já a formações quaternárias, pelo que a atribuição de certas formações ao Pliocénico tem vindo a ser revista.
3 - O Neogénico da Estremadura (Não foi tratado)
A região compreendida entre Coimbra, Leiria e Alcobaça é uma área bastante extensa com afloramentos greso-argilosos miocénicos cobertos, a Oeste de Pombal, por Pliocénico marinho incontestável. A Este seguem-se formações continentais (argilas e lignitos de Barracão) e por novas formações interpretadas por C. Teixeira como marinhas que poderão incluir-se já no Plistocénico. Esta sequência permitiu, assim, definir dois momentos transgressivos separados por uma regressão, durante o Pliocénico, para a plataforma litoral da região de Pombal.
Os dados disponíveis indicam uma idade Pliocénica superior para a primeira formação transgressiva. Atendendo à breve duração do Pliocénico (3MA), isto equivale a colocar a maior parte dos diatomitos e dos linhitos no Pleistocénico. Por isso, a transgressão seguinte deverá ser incluída já no Pleistocénico.
4 - A transição Pliocénico-Quaternário - as rañas
As rañas correspondem a depósitos por vezes muito grosseiros e mal calibrados, em que os elementos de quartzito estão embalados numa massa mais ou menos argilosa. Podem considerar-se as rañas de sopé (periferia da Cordilheira Central) e de planalto (Alentejo). Normalmente sobrepõem-se ao enchimento pliocénico e estão, por sua vez, embutidas pelos níveis quaternários. Por isso são consideradas vilafranquianas, servindo de referência para o estabelecimento do limite entre o Pliocénico e o Quaternário. Sobrepõem-se a formações conglomerático-lutíticas (Sarzedas, Sacões), com clastos de xisto. Porém, só as formações superiores, com grandes blocos de quartzito e matriz rica em caulinite , são, actualmente, consideradas rañas. São mais frequentes nas proximidades dos afloramentos de quartzitos.
Consideram-se actualmente como leques aluviais. Ora, segundo B. Rust ( in R. G. Walker, 1984), os leques aluviais são indicativos de uma movimentação tectónica geradora de um relevo acentuado e de condições climáticas extremas (semi-áridas ou periglaciárias).
No caso das rañas peninsulares pensa-se que o processo de transporte é antecedido por uma alteração profunda das rochas, em meio subtropical, durante o Pliocénico, que contribuiu para a formação de solos vermelhos (R. Gaida, 1984). Ter-se-á seguido um clima semi-árido com chuvas espasmódicas, originando processos de transporte de grande competência (debris flow em áreas proximais e sheet flood nas áreas distais, J. M. Cabral, 1993), capazes de movimentar blocos com mais de uma tonelada , como se verifica nas proximidades da Cordilheira Central.
Todavia, à medida que o conhecimento de depósitos situados em várias regiões do país vai progredindo, verifica-se que a definição do conceito de raña não é tão simples como inicialmente parecia. Discute-se, nomeadamente, se o desencadear do processo de formação das rañas se fica a dever ao clima semi-árido ou à tectónica .
A tectónica tem, sem dúvida, um papel importante, sobretudo nas rañas de sopé. É preciso, com efeito, um desnivelamento tectónico primordial (O. Ribeiro, 1949, reed. 1982), soerguendo os compartimentos da Cordilheira Central, ou soerguendo os quartzitos ao longo do contacto com o Complexo Xisto-Grauváquico (P. Proença Cunha, 1987). Em Sacões parece que os fenómenos de subsidência terão desempenhado um papel importante, permitindo a acumulação de uma tão grande espessura de depósito (J. M. Cabral, 1993).
Por outro lado, as rañas apresentam-se inequivocamente deformadas, como sucede, por exemplo, na bacia da Lousã, em que elas se apresentam falhadas, com rejectos de 200-300 m (S. Daveau, 1976), na Portela do Carvalhal (Góis, S. Daveau et al., 1985), o que prova a persistência da movimentação tectónica já durante o Quaternário (neotectónica).
Os fenómenos que originaram as rañas são muitas vezes recorrentes, havendo quem se interrogue, por exemplo, se terá havido apenas uma ou várias gerações de rañas (S. Daveau et al., 1985). É assim que alguns depósitos previamente considerados como rañas são hoje descritos de forma diversa (P. Proença Cunha, 1992).
Face a estas dificuldades, parece útil insistir nos critérios geomorfológicos (formação por leques aluviais coalescentes, numa planície de sopé, transformação em planaltos devido ao encaixe da rede hidrográfica quaternária) propostos por A. B. Ferreira (1993, in O Quaternário, balanço e perspectivas).
V - Alguns aspectos da evolução geomorfológica durante o Terciário
Estudados alguns dos depósitos que permitem compreender a evolução geomorfológica do território de Portugal durante o fim do Mesozóico e o Cenozóico, torna-se necessário explicar como os dados da sedimentologia podem organizar-se para explicar os fenómenos geomorfológicos.
Como já foi dito, a Meseta é constituída por duas grandes áreas aplanadas, separadas pela Cordilheira Central. Corresponde, na sua parte ocidental, a uma superfície de erosão, talhada sobre as rochas do Maciço Hespérico.
A submeseta setentrional é uma das superfícies de erosão mais perfeitas do mundo. Estende-se para leste do rio Sabor, em Trás-os-Montes. Na Beira transmontana, começa a leste do desligamento Bragança-Pocinho-Manteigas, mas apresenta-se com grande rigidez para leste do Coa . Está mais bem conservada nos granitos. Apresenta balanceamentos, descendo, por exemplo, para Norte, ao encontro do vale do Douro.
Está fossilizada pelos depósitos arcósicos do tipo do de Nave de Haver . Nos locais onde está exumada sofreu muitos retoques posteriores. Quando são subsequentes a uma movimentação tectónica ligeira, os diversos retoques intersectam-se segundo ângulos muito pequenos e, na prática, as diferentes superfícies não são passíveis de distinção. Nesses casos podemos dizer que a Meseta é uma superfície poligénica, que terá começado a formar-se no Eocénico.
Segundo A. B. Ferreira (1978) as superfícies poligénicas resultam de retoques erosivos sucessivos, realizados sobre superfícies de aplanamento, na sequência de movimentações tectónicas ligeiras. Quando os movimentos epirogénicos são intensos originam-se superfícies escalonadas, embutidas umas nas outras.
Os desníveis que separam retalhos aplanados podem ter também uma origem tectónica. É o caso do rebordo ocidental da Meseta, no prolongamento da falha da Vilariça. Também é frequente que a descida entre dois tramos desnivelados da Meseta se faça através de rebordos em "tecla de piano " (Bacia de Celorico, Cova da Beira).
Porém, muitas vezes é difícil distinguir os rebordos erosivos dos de origem tectónica, até porque, frequentemente, certos rebordos tectónicos já sofreram um retoque erosivo que pode ter convertido a primitiva escarpa de falha rectilínea numa série de regolfos de erosão, penetrando de forma mais ou menos irregular no bloco levantado.
Parece consensual que a Meseta é uma superfície poligénica. A sua formação poderá ser definida através do depósitos que a fossilizam (por exemplo, as arcoses de Nave de Haver datáveis do Eocénico). Ora, como vimos, na passagem do Cretácico para o Eocénico teriam acontecido alternâncias climáticas que permitiriam a elaboração do fácies superior do grés do Buçaco a partir das arcoses da base. Por outro lado, o clima contemporâneo da formação das arcoses de Coja teria que ser relativamente seco. Quer isto dizer que a Meseta pode ter-se formado numa situação de alternância de climas tropicais a subtropicais de tendência húmida/seca, compatível com um processo de pediplanização , o que explicaria a sua extrema regularidade.
Esta ideia foi desenvolvida por A. Martin Serrano (1988) que propõe um modelo do tipo "etchplain" (=sup gravada) para a formação da Superfície da Meseta. Esta teoria permite compreender o desdobramento da superfície da Meseta em dois elementos distintos: a superfície fundamental e os níveis culminantes, representados nas cristas quartzíticas e no topo dos relevos de tipo inselberg.
Segundo aquele autor, a superfície inicial corresponderia ao nível culminante das cristas quartzíticas. A existência de depósitos cretácicos ou eocénicos conservados nas depressões apalachianas sugere que elas já constituíam relevo nessa altura (cf. base do grés, na fachada oriental da Serra do Buçaco ).
A superfície fundamental da Meseta corresponderia à superfície de erosão elaborada a partir da limpeza do alterito, depois fossilizada pelas coberturas cretácica e eocénica e hoje parcialmente exumada. Seria esta superfície que serviria de ponto de partida para as deslocações tectónicas oligo-miocénicas , na sequência do choque com a Cordilheira Bética.
Abaixo da superfície fundamental da Meseta encontraríamos uma série de vales mais ou menos encaixados, correspondentes aos fenómenos quaternários de incisão da rede hidrográfica.
2 - Relevos situados acima da superfície da Meseta
Os relevos situados acima da superfície da Meseta poderão, assim, corresponder a dois grandes tipos:
1 - Áreas tectonicamente soerguidas (Serra da Malcata, Planalto da Nave). Neste caso, a existência de níveis superiores à superfície da Meseta não é explicável pela litologia. Geralmente, o contacto entre as diferentes superfícies faz-se através de degraus rectilíneos. É o caso da serra da Malcata, limitada a Oeste por um abrupto de direcção NE-SW. Nesse rebordo de origem tectónica a erosão actuou posteriormente, embutindo regolfos de erosão que penetraram na área montanhosa.
2 - Relevos residuais de tipo inselberg ( Monsanto -Moreirinhas, Belmonte, Serra da Marofa). Trata-se de relevos que contactam com a superfície aplanada da base (pediplanície), através de um ângulo muito nítido (knick). Parecem, assim, montes (berg) ilhas (insel), no meio do mar da pediplanície. Parece claro que estas formas estão, de um modo ou outro, ligadas a um clima relativamente árido. Com efeito, elas aparecem, sobretudo, nas franjas semi-áridas que limitam a zona tropical.
O célebre knick corresponde ao contraste entre os processos actuantes na vertente (desagregação mecânica e escorrência concentrada), permitindo um recuo das vertentes paralelamente a si próprias e os que acontecem quando as águas carregadas de detritos chegam à superfície basal. Aí, elas depositam rapidamente a sua carga, espalhando-se por toda a superfície de sopé (canais anastomosados ou entrançados) que acaba por ficar perfeitamente aplanada, apenas com o declive suficiente, no sentido longitudinal, para permitir o escoamento dos detritos para juzante. Para compreender a eficácia desse processo de aplanamento é preciso lembrar que a rocha da superfície basal foi profundamente alterada aquando da fase de clima tropical húmido anterior.
Parece-nos que os relevos com retoque de inselberg podem ter origens diversas. Em todo o caso, há dois pontos que são comuns a todos os relevos de tipo inselberg existentes no interior do país:
1 - Para que se origine um relevo do tipo inselberg é necessária a existência prévia de um relevo saliente. Esse relevo pode ficar a dever-se à movimentação tectónica , ou à erosão diferencial, segundo um processo complexo, acima descrito. Neste último caso, a superfície de topo do inselberg representaria um resto da superfície culminante, conservado em rocha mais resistente (quartzitos, granitos menos diaclasados).
2 - Trata-se de relevos desenvolvidos em clima semi-árido, possivelmente anterior à fase de aridez que desencadeou a formação das rañas. Estas parecem relacionar-se com um agravamento da secura relativamente à época de formação dos inselberg.
A Cordilheira Central é um horst compressivo, com a direcção de ENE-WSW a NE-SW (subparalelo em relação à Cordilheira Bética), resultante do rejogo de falhas tardi-hercínicas. A falha Estrela-Lousã-Nazaré , que limita a Cordilheira Central a Norte, prolongando-se para a Orla Meso-cenozóica ocidental, funcionou como fronteira, delimitando, por exemplo, as áreas soerguidas onde afloram os calcários da Orla. É no seu prolongamento que se situa o vale submarino da Nazaré, o que demonstra a importância que esta falha tem também no domínio submerso.
Em Portugal, é constituída pelas serras da Lousã, Açor, Estrela, Gardunha e Alvelos. Para leste da Guarda desenvolve-se um sector perfeitamente aplanado da Meseta . Todavia, depois desse sector aplanado, a Cordilheira Central reaparece em Espanha representada pelas serras da Gata, Gredos e Guadarrama.
A Cordilheira Central ter-se-á formado em várias fases. A primeira fase reconhecida (S. Daveau, 1969) terá resultado na formação de um levantamento, segundo um eixo NNE-SSW, que teria fixado a linha de partilha da drenagem entre o Atlântico e as regiões endorreicas do centro da Península. Este movimento ficou a dever-se à colisão com a placa europeia, induzida pelo movimento, para Norte, da placa africana, de que resultou o levantamento do Norte da Península Ibérica (tectogénese pirenaica, Eocénico-Oligocénico) , com subducção do golfo da Gasconha. As arcoses de Coja e de Sarzedas seriam contemporâneas dessa fase. A análise da fig. 4.8, p. 203 de P. Proença Cunha, 1992 , permite integrar os diversos depósitos já estudados numa primeira síntese da evolução geomorfológica do Portugal Central. Essa tentativa de síntese parece-nos muito importante para que os estudantes possam aperceber-se de que os diversos depósitos são estudados não como um fim em si mesmos, mas como testemunhos da evolução geomorfológica.
O choque com a placa africana (Miocénico superior) produziu uma compressão de que resultou o rejogo de falhas com a direcção ENE-WSW (direcção bética). Estes movimentos parecem ter desencadeado o aparecimento de depósitos ±grosseiros ( Formação conglomerático-areno-lutítica de Sarzedas ), argilosos ou por vezes arcósicos (regiões graníticas), mas de um modo geral resultantes de uma clara movimentação das falhas que hoje limitam a Cordilheira Central.
Uma crise climática e (ou) o incentivar das movimentações tectónicas no Vilafranquiano (com a eventual subida dos quartzitos ao longo dos contactos com o Complexo-xisto-grauváquico) originou o aparecimento das rañas . Posteriormente, movimentos compressivos quaternários afectam as rañas, que chegam a ser cavalgadas pelo soco (Portela do Carvalhal).
A Cordilheira Central poderia corresponder a uma estrutura de ressalto (=pop-up) resultante da laminação do soco ao nível da base da crusta, devida à compressão bética (A. Ribeiro, 1988).
VI - Situação
num contexto global e neotectónica
Sabe-se hoje que a litosfera não tem a rigidez inicialmente postulada pela tectónica de placas. Os dados sobre a sismicidade em Portugal provam que existe um campo de tensões actual e que a actividade sísmica do território português resulta, ao mesmo tempo, de fenómenos localizados sobre a fronteira de placas (sismicidade interplacas), mas também de fenómenos localizados no interior da placa da Eurásia (sismicidade intraplaca).
Os grandes sismos históricos têm o seu epicentro na zona de subducção intra-oceânica situada imediatamente a Sul do Banco de Goringe . O mais destruidor foi o de 1755, que se fez acompanhar de um tsunami que atingiu mais de 15 m sobre as costas portuguesas.
No interior da placa a sismicidade torna-se mais difusa.
Em terra, os epicentros coincidem, grosso modo, com os grandes acidentes que rejogaram aquando da compressão miocénica e que mostram, também, sinais de actividade tectónica recente.
Os grandes acidentes tardi-hercínicos são materializados pelos canhões submarinos ao longo da margem continental e prolongam-se, no domínio oceânico, por falhas transformantes ligadas à abertura do Atlântico.
Verifica-se uma concentração anormal de epicentros de sismos nas proximidades do litoral ocidental (J. M. Cabral, 1993).
2 - Neotectónica
O termo neotectónica diz respeito às deformações posteriores à última reorganização da tectónica regional. Atendendo a que o Pliocénico é um período inicialmente calmo, a designação "neotectónica" deverá referir a movimentação ocorrida a partir do fim do Pliocénico, isto é, nos últimos 2 milhões de anos (J. M. Cabral, 1993).
A tipologia da deformação neotectónica continua a seguir os termos propostos por A. Ribeiro, em 1984:
1 - Movimentos de grande raio de curvatura
Trata-se de movimentos de levantamento e subsidência acompanhados muitas vezes de empenamentos e basculamentos. A análise geomorfológica permite provar que as altitudes da Meseta Norte (800 m) e Sul (400 m) são devidas a levantamentos post-pliocénicos.
2 - Sistemas de horst e graben em distensão
Ligados aos acidentes tardi-hercínicos encontramos sistemas de graben limitados por escarpas de falha muito frescas e nos quais um enchimento de idade variável, terciário e quaternário, está conservado. O caso mais espectacular é o da fossa da Vilariça , onde se pode demonstrar um rejecto vertical de 400 m posterior ao depósito das rañas vilafranquianas.
3 - Falhas inversas
O bordo NW da Cordilheira Central corresponde a um cavalgamento bastante próximo da horizontal (30° para SE) do soco sobre os depósitos de tipo raña (cf. corte da Portela do Carvalhal, infelizmente hoje já não visível). Além disso, os diapiros funcionaram depois do Pliocénico como graben em compressão . Assim, o Pliocénico está deformado em muitos locais , com pendores localmente muito fortes, e está deprimido em relação aos lábios dos diapiros que, por vezes, o cavalgam.
4 - Desligamentos
A existência de movimentos tangenciais implica a possiblidade de desligamentos com movimentação recente, embora eles sejam de detecção difícil. O trabalho de J. Cabral (1993) refere a existência de alguns.
3 - A situação da Península Ibérica no contexto global das placas e a respectiva evolução geomorfológica
A estrutura do Maciço Hespérico é devida à sobreposição de vários acontecimentos tectónicos, escalonando-se desde o Precâmbrico ao Miocénico final, época em que termina a colisão intercontinental entre as placas da Eurásia e da África.
Desde o início que chamamos a atenção dos estudantes para a distribuição periférica do relevo peninsular . É a altura de compreender a importância de a Península ser uma micro-placa , formada por materiais razoavelmente consolidados, cuja deformação se dá, sobretudo, na periferia e, como vimos, ao longo de fracturas antigas reactivadas durante a orogenia alpina.
Parece-nos útil fazer uma breve resenha dos acontecimentos tectónicos mais relevantes ocorridos durante o Terciário, procurando relacioná-los com os depósitos e fenómenos geomorfológicos estudados.
No Eocénico inicia-se a compressão pirenaica, cujos efeitos são sensíveis sobretudo na margem norte ibérica. A bacia do Douro sofre uma sedimentação intensa, nessa altura, recebendo os sedimentos correlativos da surreição da cadeia pirenaico-cantábrica. Formam-se arcoses ricas em montmorilonite (grés de Coja ).
No Oligocénico toda a margem emerge. Dá-se a exumação/elaboração da superfície fundamental da Meseta
No decurso do Miocénico faz-se sentir a compressão bética, que afecta, sobretudo, a fachada sul da Península. A Cordilheira Central sofre um levantamento pronunciado, talvez já esboçado aquando da fase de compressão pirenaica, e os produtos da erosão da Cordilheira enchem a bacia do Douro, a Norte, e a bacia do Tejo, a Sul. Formam-se os depósitos conglomerático-lutíticos subjacentes às rañas.
A partir do Miocénico superior, quando se realiza a colisão entre a micro-placa ibérica e a placa africana , a deformação intracontinental já não pode ser absorvida senão pela deformação interna das placas. Nestas condições, podem produzir-se, por mecanismos de tracção secundária, fossas em extensão , de direcção NNE-SSW, e falhas inversas, de direcção NE-SW (Cordilheira Central). Devido à diferente velocidade de aproximação das placas ao nível de Gibraltar e em domínio marinho, o campo das tensões passa a ter uma orientação NNE/SSW, junto ao litoral ocidental.A manutenção de um regime compressivo desde o Quaternário inferior poderá explicar a actividade neotectónica .
É justamente a situação no cruzamento das influências mediterrâneas, que se traduzem por uma compressão meridiana, com as influências atlânticas, materializadas pela posição ao longo de uma margem essencialmente passiva (eventualmente em vias de activação) , que dá a sua originalidade a Portugal, quer nos domínios climático, quer estrutural. Por isso, a fachada ocidental da Península é uma margem de transição, onde, em vez de se criarem estruturas novas, as antigas direcções são reactivadas.
As velocidades de movimentação calculadas por J. Cabral (1993) para as estruturas activas identificadas em Portugal são da ordem de 0,1-0,2 mm/ano para o litoral. Para o interior, 0,13 a 0,3 mm/ano. Estes valores aparecem como altos demais para uma margem passiva típica. Este facto permite pressupor a emergência de uma zona de subdução de tipo andino que, a partir do banco de Goringe , começaria a desenvolver-se para norte, explicando a sismicidade elevada que se verifica ao longo do litoral ocidental, bem como o desenvolvimento provável das isossistas do sismo de Lisboa de 1755.
1 - O interesse do estudo do Quaternário
Para além dos depósitos existentes na plataforma litoral, o Quaternário é bastante rico em depósitos diferenciados, consoante o local de ocorrência, cujo estudo ajuda a compreender a evolução geomorfológica e climática que presidiu à evolução do Homem e que conduziu à situação nossa contemporânea. Devido a esse facto, o estudo do Quaternário pode contribuir, de forma decisiva, para o estudo da interacção Homem-Ambiente e para a salvaguarda dos equilíbrios vitais para a sobrevivência da Vida, tal como a conhecemos.
A atitude interdisciplinar é uma necessidade absoluta no estudo do Quaternário, já que a recriação dos ambientes quaternários necessita do concurso de vários especialistas (geomorfólogos, sedimentólogos, climatólogos, arqueólogos, biólogos, geofísicos... etc!). Por outro lado, o estudo das variações climáticas verificadas durante o Quaternário poderá ajudar a esclarecer melhor certos temas altamente discutidos tais como a variação do conteúdo em CO2 da atmosfera e a sua eventual contribuição para as oscilações climáticas nossas contemporâneas.
A nossa exposição basear-se-á numa primeira análise, necessariamente muito grosseira, das formações representadas na Carta Geológica do Quaternário de Portugal (G. Zbyszewski, 1969). Essa análise permitirá identificar as áreas mais ricas em depósitos quaternários e a delinear os respectivos ambientes de sedimentação.
Cabe aqui fazer uma breve recapitulação àcerca de assuntos que os alunos deverão ter já tratado em disciplinas anteriores (Geografia Física I e Geografia Física II) sobre as variações climáticas do Quaternário , suas causas e consequências geomorfológicas.
2 - Alguns vestígios glaciários em Portugal
Uma breve análise do mapa inserto em G. Coudé-Gaussen (1981, p. 196) permitirá aos alunos identificar os principais factores responsáveis pela variação da altitude das neves persistentes, na Península Ibérica, durante o Pleistocénico e localizar as áreas onde ocorreram fenómenos glaciares, no conjunto da Península e no território de Portugal.
Serão, então, apresentados diapositivos que ilustram algumas das formas e depósitos glaciários existentes nas serras da Estrela e do Gerês . Para cada um dos casos, a projecção de diapositivos será acompanhada da apresentação de esboços geomorfológicos (S. Daveau , 1969, G. Coudé-Gaussen, 1981, A. B. Ferreira, et al., 1993) que permitam localizar as fotografias e discutir as problemáticas pertinentes. Serão referidos, nomeadamente, a dissimetria entre as vertentes expostas a E e a W, o papel da disjunção do granito em bolas, e as possíveis condfusões entre depósitos de vertente e verdadeiras moreias , o aproveitamento pelos vales glaciários das grandes fracturas tardi-hercínicas , etc.
3 - Manifestações periglaciárias
Será feita uma rápida abordagem da distribuição dos fenómenos periglaciares (de montanha, de baixa altitude), com referência à respectiva tipologia e significado. A existência de aparentes manifestações periglaciárias no litoral Norte de Portugal será então referida, bem como a controvérsia que essa interpretação tem levantado. A esse respeito, serão referidos os resultados do projecto CLIMAP (MacIntyre et al., 1976) e o acentuado gradiente térmico que a fachada ocidental da Península Ibérica teria apresentado durante o Würm.
4 - Caracterização e evolução da plataforma litoral - o exemplo da região do Porto
Uma breve introdução histórica permitirá demonstrar a evolução que os conhecimentos sobre a plataforma litoral sofreram.
Durante muito tempo, o litoral português foi considerado um caso típico de escalonamento, de origem eustática, de "níveis" de "praias levantadas", situados às altitudes clássicas definidas para os depósitos Quaternários do Mediterrâneo (C. Teixeira, 1979).
A plataforma litoral caracteriza-se pela sua situação face ao mar, pela morfologia essencialmente aplanada, contrastando com um rebordo interior que a separa do resto do continente e pela abundância de depósitos, de diversas origens , que a cobrem.
Já J. R. Vanney e D. Mougenot (1981) falavam de um "trottoir " litoral, de idade miocénica, que poderia considerar-se a forma primitiva das futuras superfícies periféricas. A. B. Ferreira (1991) atribui, todavia, uma idade pliocénica ao abatimento de uma parte da superfície inferior da Beira. Esta, por analogia com o que se passa na região a Oeste de Pombal, teria sofrido uma transgressão marinha no Calabriano e uma subida ao longo do Quaternário, que lhe teria permitido alcançar altitudes que podem atingir 150 metros, favorecendo o encaixe dos cursos de água (cf. o caso do Rio Douro).
S. Daveau (in O. Ribeiro et al., 1987, p. 264) caracteriza esta "larga faixa litoral, ou rasa", como uma "forma poligénica, de modelado várias vezes retocado por agentes alternadamente marinhos e subaéreos".
Clicando neste link é possível fazer o download no formato Pdf de um documento que corresponde à digitalização de um artigo publicado na revista "Estudos do Quaternário", publicado em 1997 que contém uma síntese das conclusões a que chegamos no estudo que fizemos sobre a plataforma litoral da região do Porto.
Efectivamente, embora alguns dos depósitos dos patamares mais elevados (acima dos 40 m) possam ter origem em planícies litorais , não encontrámos, até agora, sinais de depósitos inequivocamente marinhos na plataforma litoral na região compreendida entre a foz do Rio Ave e a latitude da lagoa de Esmoriz.
O rebordo interior da plataforma litoral foi identificado, muitas vezes, como uma "arriba fóssil". Todavia, "novos estudos mostraram ser quase sempre escarpas de falha" (S. Daveau idem, p. 264), que jogaram, ao que nos parece, posteriormente aos depósitos mais antigos da plataforma. Os depósitos subsequentes correspondem, geralmente, a leques aluviais formados na sequência da surreição do rebordo interior da plataforma (="relevo marginal"). O aspecto que estes depósitos apresentam sugere uma analogia com as rañas do centro do País.
Relativamente aos depósitos de cota inferior a 40 m a designação de "praia levantada" já parece mais adequada. Os três níveis identificados por critérios sedimentológicos não se situam sempre à mesma altitude. É provável que tenham sofrido um basculamento ou balançamento de conjunto para Sul, no sentido da Orla Ocidental Meso-Cenozóica, para além de movimentações diferenciais, segundo direcções oblíquas em relação à linha de costa.
Os depósitos posteriores ao último interglaciar apresentam características bastante diferenciadas no tempo, que permitem supor a existência de alternâncias entre fases de clima frio e húmido e frio e seco, durante o Würm.
Também durante o Holocénico é possível identificar fases climáticas diferenciadas. Assim, a "pequena idade do gelo" seria correlativa de uma fase de constituição de dunas, com um ligeiro recuo do nível do mar . O período posterior a 1850 caracteriza-se por uma tendência para uma subida do nível do mar (N. A. Mörner, 1973, cit. em J. Pethick, 1984, p. 232). Esta subida, embora ligeira (cerca de 1,5 mm/ano), juntamente com o deficit sedimentar criado pela construção de barragens em muitos dos cursos de água portugueses, tem criado uma tendência para a erosão da zona costeira que certas intervenções humanas (construção de portos, obras de defesa costeira) têm amplificado, criando graves problemas a certas povoações existentes no litoral .
O exemplo da área a Sul de Espinho, relativamente à qual temos diversa documentação, poderá sensibilizar os estudantes para a complexidade da evolução do litoral, onde os fenómenos tectónicos, eustáticos e atmosféricos se entrelaçam das formas mais diversas, conferindo uma grande complexidade ao seu estudo e uma perigosa fragilidade às áreas litorais.
É de referir, também, o processo de litoralização de Portugal, que tem vindo a concentrar 70% da sua população nas áreas próximas do litoral, criando uma densidade populacional excessiva, que degrada cada vez mais o frágil equilíbrio destas áreas.
Torna-se pertinente ainda, discutir a problemática da erosão e "defesa do litoral" (e respectivas consequências nas áreas a sotamar) e dos conflitos de interesses em acção na zona costeira (F. Veloso-Gomes, 1994).
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