Geografia Física de Portugal

Tópicos do Programa - 1ª Parte
 

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ÍNDICE

I - Introdução: Localização e dados elementares sobre o clima

1 - Caracterização geral de Portugal. A necessidade de integrar Portugal na Península Ibérica
2 - A posição da Península Ibérica no contexto europeu e mundial
3 - Caracterização geral da Península Ibérica
4 - A originalidade do clima Mediterrâneo
5 - Principais factores do clima da península Ibérica
6 - A precipitação sobre a Península Ibérica: Ibéria húmida/Ibéria seca
7 - O contraste litoral-interior
8 - Os factores termodinâmicos e a circulação atmosférica regional
9 - Tipos de clima da Península Ibérica
10 - Alguns aspectos do clima de Portugal - Análise da distribuição da temperatura e da precipitação em Portugal
11 - O clima de algumas estações portuguesas
12 - O clima da região do Porto
Bibliografia relativa à Introdução

II- Grandes conjuntos estruturais - plataformas e sistemas dobrados alpinos - caracterização geral
1 - Plataformas
    Plataformas cristalinas
    Bacias sedimentares:
2 - Sistemas dobrados alpinos

III- A integração da Península Ibérica no quadro geológico europeu

IV - As grandes regiões estruturais de Portugal
1 - Apresentação geral
2 - Distinção entre os conceitos de Maciço Hespérico e de Meseta Ibérica

V - Maciço Hespérico
1 - Características gerais e zonamento
2 - Zona Cantábrica
3 - Zona Oeste-Astúrico-Leonesa
4 - Sub-zona da Galiza média-Trás-os-Montes
5 - Zona Centro-Ibérica
6 - Zona de Ossa-Morena
7 - Zona Sul Portuguesa
8 - Fracturação tardi-hercínica
9 - Reconstituição paleogeográfica do ciclo hercínico. Tentativa de síntese
10 - Análise global e comparação entre as diferentes zonas

Bibliografia
 
 

I - Introdução

1 - Caracterização geral de Portugal . A necessidade de integrar Portugal na Península Ibérica

Nota: consultar, essencialmente, DAVEAU, S. - Portugal Geográfico, ed. João Sá da Costa, Lisboa, 1995, 223 p.

Dimensões do país : 218 a 112 km no sentido dos paralelos; 600 km no sentido dos meridianos (de 37°N a mais de 42°N). Consequências imediatas: os maiores contrastes serão, a priori, os que se estabelecem entre o Norte e o Sul. Esse facto ganha, ainda, maior realce se se atentar em que Portugal se situa, em termos climáticos, numa faixa de transição.

Não é só a posição em latitude que explica os contrastes climáticos entre o Norte e o Sul. O relevo acentua o contraste entre o Norte mais pluvioso e mais acidentado e o Sul, com uma precipitação quase sempre inferior a 800 mm .

Apesar da largura reduzida do "rectângulo", os contrastes climáticos entre o litoral e o interior são, também, mais acentuados do que seria de esperar. Também aqui a distribuição do relevo vai ter uma influência marcante.

Para desfazer a velha ideia de que o clima determina quase tudo, convém equacionar esse problema numa perspectiva histórica, insistindo na ideia de que a litoralização do país é um processo relativamente recente, brutalmente acelerado nos últimos tempos. Assim, os contrastes litoral-interior só remotamente terão uma origem física, mas evoluem de acordo com factores económicos variáveis para cada momento histórico.

De uma posição periférica no contexto peninsular resulta a grande importância do litoral (848 km de perímetro) e da fronteira com a Espanha (1200 km), à qual se atribui uma importância quase sempre menor. Assim, é costume dizer que Portugal e Espanha são dois países de costas voltadas um para o outro, ideia que se traduz, entre nós, no conhecido ditado: "de Espanha nem bom vento nem bom casamento".

Todavia, cada vez menos se pode considerar Portugal como se estivesse desligado do resto da Península Ibérica. Essa atitude levou, no passado, a que se considerasse o país como uma ilha um tanto mítica, flutuando num espaço abstracto e vazio, sem relação com o mundo exterior (S. Daveau, in O. Ribeiro, H. Lautensach e S. Daveau, 1987).

Se esse procedimento é incorrecto sob o ponto de vista da Geografia Humana, em que as relações transfronteiriças entre regiões contíguas (cf. a importância das relações Minho-Galiza ) é cada vez maior, na Geografia Física as fronteiras fazem ainda menos sentido, já que são raros os casos em que a fronteira tem uma base natural e a maior parte das regiões "naturais" são comuns aos dois lados da fronteira.

A posição de Portugal como "finisterra" numa Península que estabelece a relação entre dois mundos - o mundo mediterrânico e a Europa central e do Norte -, conduziu a um certo isolamento relativamente aos caminhos de invasão. Esse isolamento, juntamente com os factores históricos decorrentes da Reconquista , teria ajudado a individualizar o território onde a vivência comum criou uma grande identidade cultural, sublinhada pelas fronteiras mais antigas da Europa.
 
 

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2 - A posição da Península Ibérica no contexto europeu e mundial

A Península Ibérica faz a transição entre a Europa e a África. Todavia, como é difícil e ocioso estabelecer limites num domínio de transição, não adianta especular sobre o carácter mais ou menos "africano" da Península Ibérica, comum a toda a faixa mediterrânica em que aquela se integra, temperado, neste caso, pela sua posição atlântica.

Sendo a Península europeia que mais se aproxima de África, a Península Ibérica funciona como uma ponte entre os dois continentes, o que lhe permitiu ser alvo privilegiado das invasões árabes, facto de que decorre uma parte importante da história das nações ibéricas durante a Idade Média.

A conjugação entre uma posição mediterrânica e a sua situação ocidental (só ligeiramente ultrapassada pela Irlanda), convertem a Península numa encruzilhada de caminhos , frente ao mar e ao Novo Mundo.

3 - Caracterização geral da Península Ibérica

Forma e dimensões

A superfície=581. 000 km2 (um pouco mais do que a França, 6 vezes e meia maior que Portugal).

A Península Ibérica tem uma largura máxima de cerca de 1000 km, à latitude do cabo Finisterra. À latitude de Barcelona a largura reduz-se para cerca de 800 km. Aumenta ligeiramente e é de 850 km à latitude do Cabo da Nao (e da península de Lisboa).

Segundo os meridianos, as suas dimensões apresentam valores ligeiramente inferiores, mas da mesma ordem de grandeza. Assim, o comprimento da Península varia entre 820 km à longitude de Gibraltar e 700 km à longitude de Huelva.

Trata-se de valores bastante próximos, o que mostra, só por si, um carácter maciço inequívoco.

A circunstância de possuir uma ossatura constituída por um núcleo extenso de rochas precâmbricas e paleozóicas (Maciço Hespérico) permite à Península Ibérica apresentar o seu aspecto maciço. As rochas dessa idade (precâmbricas e paleozóicas) afloram raramente na Península Balcânica e nunca na Península Itálica.

Como é natural numa península, a Península Ibérica apresenta um grande desenvolvimento dos litorais (4118 km) do qual cerca de metade corresponde ao litoral mediterrâneo.

A linha de costa, sobretudo no litoral mediterrânico, desenvolve-se segundo grandes arcos apoiados nos diversos cabos (Finisterra, Carvoeiro, Roca, Espichel, Sines, Sagres, Stª Maria, Gibraltar, Gata, Palos, da Nao e de Creus). A costa Cantábrica tem um traçado diverso, com um carácter muito mais rectilíneo no seu conjunto, embora com reentrâncias de pormenor.

Trata-se, em linhas gerais, de um litoral pouco recortado. As rias galegas e o estuário do Tejo são as maiores aberturas existentes no litoral da Península Ibérica.

Essa visão geral não deve conduzir-nos a generalizações excessivas. Com efeito, a ideia de que a Península Ibérica apresenta litorais pouco recortados, apoiada em mapas de pequena escala, deve ser matizada pela análise dos mapas de maior escala , onde já podemos aperceber-nos de algumas reentrâncias, ligadas às embocaduras dos rios e (ou) a acidentes geológicos relevantes. Estas últimas, em Portugal, agrupam-se em áreas bem definidas, ligadas, geralmente, ao afloramento de rochas mesozóicas (veja-se o caso da costa ocidental entre a Nazaré e Setúbal e da costa algarvia).

Numa costa predominantemente rectilínea, como é a generalidade da costa portuguesa, estes acidentes foram aproveitados, desde tempos mais ou menos recuados, para a localização de portos de pesca e (ou) dos portos comerciais modernos.

Das penínsulas do Sul da Europa, a Península Ibérica é a que se liga ao continente por um istmo mais estreito (440 km). Além disso está separada da Europa pelos Pirinéus. Por isso, a Península Ibérica funciona, efectivamente, quase como uma ilha (=península), destacada do resto da Europa. Atendendo às suas dimensões poderemos dizer que a Península Ibérica corresponde a um continente em miniatura, com uma grande diversidade geo-estrutural e climática, que, juntamente com a diversidade cultural, contribui para a existência de paisagens muito variadas.

O isolamento relativamente ao resto da Europa (apoiado nas barreiras físicas dos Pirinéus e do mar), deve ser explorado de uma forma o menos determinista possível. Isto porque barreiras como os Alpes e os Pirinéus nunca foram intransponíveis. Por outro lado, o mar aproxima mais do que afasta. Tudo depende da vontade de ultrapassar os obstáculos físicos e das técnicas postas ao seu serviço. Na era das comunicações via satélite, em que uma parte importante do tráfego se realiza por via aérea, as cadeias montanhosas perderam, obviamente, o seu papel de barreiras significativas.

A circunstância de ser "quase uma ilha" poderia ter levado a Península Ibérica a constituir uma unidade politicamente homogénea. Todavia, ela só atingiu a unidade política de forma episódica. Pelo contrário, o espaço Ibérico sempre foi atravessado por regionalismos e por culturas diversificadas. A unificação de Espanha é um fenómeno relativamente recente , que continua a ser contestado, por vezes de forma violenta, em algumas das suas regiões autónomas . A independência de Portugal nunca se teria restaurado se a experiência das descobertas e o comércio marítimo que se lhe seguiu não tivesse criado interesses económicos fortes que se sentiram ameaçados com a hegemonia imposta por Castela.

As barreiras físicas funcionam, sobretudo, quando são interiorizadas.

Assim, a "originalidade" dos processos políticos e sociais dos povos da Península a partir do século XV, com um reforço especial a partir dos anos trinta do nosso século, permitiu que se falasse, numa metáfora de evidentes conotações geológicas, de uma "jangada de pedra", a propósito da Península Ibérica.

O relevo e a rede hidrográfica.

Extensão: 581. 000 km2. 211.000 km2 correspondem a planaltos. Com efeito, um grande planalto desnivelado , a Meseta Ibérica, ocupa uma parte importante do centro da Península. Por isso, esta tem uma altitude média elevada (660 m de altitude média para o território espanhol), embora não se possa considerar uma região montanhosa.

Nesta Península maciça e planáltica , as planícies são relativamente raras e só constituem unidades morfológicas importantes no vale do Quadalquivir e na parte ocidental de Portugal.

A Meseta está basculada para Oeste, apresentando um pendor de 0,5%. Assim, pela sua configuração geral, podemos dizer, com Elisée Reclus (apud L. Solé Sabarís, 1952) que a Península Ibérica "vira as costas a leste". Esse pendor para Oeste, bem como a existência de relevos mais importantes no rebordo oriental da Meseta vai condicionar o traçado dos mais importantes rios peninsulares (Douro, Tejo, parte espanhola do Guadiana, Guadalquivir). A principal excepção, a esse predomínio do traçado para Oeste, corresponde ao Ebro.

A Meseta está rodeada de relevos por quase todos os lados , o que acentua o carácter continental que já lhe era dado pela sua posição interior. Além disso, está dividida, pela Cordilheira Central, em submeseta setentrional e meridional .

Assim, a falta de reentrâncias litorais e os Cantábricos isolam completamente a região de Castela-a-Velha (=submeseta setentrional) a Norte. A leste são os montes Ibéricos e as Cordilheiras Costeiras Catalãs, que são paralelas à costa, que separam aquela região do Mediterrâneo.

Mesmo a Oeste, onde as montanhas mais importantes são oblíquas em relação à linha de costa, o Caramulo, o Marão e o Alvão, a Sanábria e os Montes de León, acabam por constituir, em conjunto, uma muralha quase contínua, impedindo a entrada das influências atlânticas na submeseta setentrional .

A submeseta meridional começa por ser isolada dos ventos húmidos de Oeste e de noroeste pela Cordilheira Central e pelos Montes de Toledo. Esse isolamento relativamente ao Atlântico é igualmente notório a Sul, com a serra Morena. A sudeste, as Cordilheiras Béticas (com as maiores altitudes dentro da Península Ibérica) constituem um rebordo montanhoso imponente, isolando a Meseta do Mediterrâneo.

Só no Alentejo a penetração das influências marítimas parece ser mais fácil. Mesmo aí, as serras do Cercal e de Grândola, apesar da pouca importância topográfica que têm, isolam o Alentejo do mar, sob o ponto de vista climático. No Algarve, esse papel é desempenhado pelas serras de Monchique (902 m) e do Caldeirão (541 m).

Assim, o interior da Península Ibérica fica quase sempre bastante distante do mar. Essa distância é geralmente reforçada pelo seu próprio rebordo montanhoso ou pelas cadeias periféricas peninsulares. Apenas a Oeste parece ficar um pouco mais aberto à sua influência.

Todavia, mesmo aí, uma análise de maior escala permite verificar que existe, quase sempre, um rebordo (designado como relevo ou maciço marginal) que separa a plataforma litoral das regiões interiores e que, apesar de parecer pouco significativo, pode constituir uma barreira não negligenciável para as influências marítimas.

Cabe aqui uma primeira pergunta, que deixamos em suspenso, por agora, sobre a origem profunda do carácter periférico da maior parte dos relevos peninsulares (à excepção da Cordilheira Central).

Para concluir esta alínea, poderemos perguntar-nos sobre as eventuais influências da distribuição do relevo na evolução histórica e política dos povos da Península. Com efeito, se o carácter de "quase ilha" poderia induzir um certo isolamento relativamente ao resto da Europa, com o decorrente sentido de pertença a uma outra unidade com características próprias, a fragmentação interna decorrente do relevo define, pelo contrário e a priori, uma tendência para a existência de regiões com graus variáveis de autonomia.

Se essa relação existe, a sua influência não pode ser exagerada. Os limites entre as unidades nacionais são muitas vezes independentes do relevo (fronteira da Beira transmontana). Sendo fenómenos humanos, as fronteiras políticas regem-se por leis que lhes são próprias. Quando há aproveitamento de certas fronteiras naturais como limites políticos, eles funcionam mais como referências do que como obstáculos intransponíveis (S. Daveau, 1976, cit. em C. A. Medeiros, 1994). Daí que se aproveitem, por exemplo, os cursos de água, como limite entre concelhos e freguesias, dentro de Portugal. Mas mesmo quando isso acontece, a fronteira sofre, frequentemente, alterações ao longo do tempo, o que prova que ela é um fenómeno eminentemente político e que só por coincidência e facilidade adopta traçados com base física.

A uma outra escala, as verdadeiras fronteiras culturais poderão ser os vazios de homens, a terra de ninguém, porque de aproveitamento difícil. Nessa perspectiva, efectivamente, algumas grandes barreiras naturais (desertos, montanhas) poderão ter funcionado, ou funcionar ainda, como fronteiras culturais.

Mas mesmo isso não é uma regra infalível. A Suíça, por exemplo, representa a organização do espaço baseado nas relações económicas que se estabelecem através dos Alpes. Do mesmo modo, foi a circulação intensa que se fazia na Meseta Castelhana que "fez" a Espanha e que permitiu o domínio castelhano sobre as regiões periféricas da Península.

Apesar de relativizarmos as influências do meio físico sobre o desenvolvimento histórico e cultural dos povos, não devemos cair no extremo oposto ao determinismo de natureza, afirmando que esta não tem qualquer influência, que tudo pertence ao livre arbítrio a à história dos homens.

Embora seja, em boa parte, um produto da história, uma nação não é, apenas, um produto da História. "A Terra de um povo é a combinação, original e fecunda, de dois elementos: território e civilização" (O. Ribeiro, 1955). Com efeito, os povos vivem sobre um território de que retiram a sua subsistência. Assim sendo, as condições físicas desse território acabam por influenciar, de forma mais ou menos directa, os modos de vida da população e, por seu intermédio, as respectivas características culturais.
 
 

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4 - A originalidade do clima Mediterrâneo

O ritmo anual do tempo que caracteriza os países mediterrâneos é francamente original à escala mundial . É caracterizado por um Verão sem chuva , solarengo e quente, em alternância nítida com uma estação fresca durante a qual se sucedem desordenadamente os dias de chuva e as abertas.

Em todo o resto do Globo, a precipitação reparte-se quase igualmente entre todos os meses do ano ou, então, o Verão é chuvoso .

No clima mediterrânico, o pino do calor e a maior secura coincidem no tempo. Por isso, este clima não é favorável à vida vegetal e à agricultura.

É apenas no caso do Mar Mediterrrâneo que este tipo climático se estende para leste, ao longo da faixa litoral do Mediterrâneo.

O anticidone subtropical dos Açores condiciona a subsidência do ar que é, por isso, muito seco. Isso impede a formacão de precipitação, no Verão. à latitude de Portugal, e durante todo o ano à latitude do Sahara. No fundo, o Verão Mediterrâneo é uma extensão temporária, para o norte, da cintura desértica que separa, na parte ocidental dos continentes , a Zona Temperada da Zona Intertropical.

5 - Principais factores do clima
Numa análise preliminar, definimos a Península Ibérica pelo seu carácter maciço e pelo predomínio de relevos periféricos que isolam o seu interior das influências do mar.
Quais os principais factores que afectam o clima da Península Ibérica?

Latitude

A latitude varia entre 43° 47'N (Estaca de Bares, a leste do Cabo Ortegal ) e 36° 00'N (ilhota de Tarifa, próximo de Gibraltar).
Esta situação, que coincide perfeitamente com a do desenvolvimento do Mediterrâneo, dá-lhe à partida, com grande probabilidade, características mediterrâneas. Todavia, numa faixa de transição, como é a faixa mediterrânica, variações relativamente pequenas de latitude podem traduzir-se em grandes modificações climáticas.
Das penínsulas do Sul da Europa , a Península Ibérica é aquela que apresenta latitudes mais baixas e que, adicionalmente, mais se aproxima de África. Com efeito, o estreito de Gibraltar tem apenas 14 km de largura. A região de Reggio (Calábria, extremidade Sul da Península Itálica) situa-se à lati-tude do Cabo de Sines. Dos territórios europeus, só a ilha de Creta atinge latitudes mais baixas.
A passagem das perturbações da frente polar, durante o outono, inverno e parte da pri-mavera, atinge sobretudo o Norte, que fica mais pró-ximo das depressões que as condicionam. Durante o verão, contudo, as influências orientais (que penetram escassamente para o interior da costa mediterrânica) e meridionais tornam-se mais relevantes. Assim, toda a Península é atravessada por uma "luta" entre as influências atlânticas e mediterrânicas. As características mediterrânicas estendem-se a todo o território, embora de forma muito mitigada a Norte e de forma cada vez mais clara à medida que se caminha para Sul.

O carácter maciço da Península Ibérica
A configuração em forma de paralelogramo, e com poucas reentrâncias da Península, tem como consequência que as áreas do interior se situam a distâncias apreciáveis (que podem atin-gir valores superiores a 400 km) do mar.
 

Distribuição e orientação do relevo
Mas mais importante do que isso é a circunstância de a maior parte dos relevos se situar na periferia da Península, com uma disposição muitas vezes grosseiramente paralela à linha de costa. Esta circunstância vai condicionar a existência de chuvas orográficas nas vertentes ex-postas aos ventos marítimos e criar situ-a-ções de abrigo nas vertentes opostas (efeito de föhn ).
Não são só os relevos importantes que provocam este efeito. Qualquer rugosidade do ter-reno que retarde o movimento de massas de ar húmido vai gerar movimentos ascencionais que poderão desencadear precipitação. É por isso que a respectiva distribuição mostra um paralelismo tão grande com o relevo .
Como veremos, todavia, a distribuição do relevo não tem influência só na precipitação. Isolando certas regiões dos ventos vindos do mar ela acentua a continentalidade do clima, au-mentando as amplitudes térmicas diurnas e anuais.
 

6 - A precipitação sobre a Península Ibérica: Ibéria húmida/Ibéria seca
Apesar da importância que a distribuição das temperaturas e a sua variação tem no espaço peninsular, podemos dizer que, situando-se a Península nas latitudes médias, as temperaturas, embora possam interferir no conforto da população, nunca constituem reais limitações ao estabelecimento dos homens.
O mesmo não se pode dizer da precipitação. Esta pode variar entre valores superiores a 2000 mm (Cantábricos, Pirinéus, cabo Finisterra), atingindo mesmo mais de 3500 mm em certas montanhas portuguesas (serra do Gerês e da Cabreira), até valores inferiores a 300 mm (campos de Níjar, vale inferior do Segura). Em Portugal atingem-se valores inferiores a 300 mm no vale da Ribª de Massueime, na Beira transmontana . Mas valores inferiores a 500 mm são relativamente frequentes, quer nos vales afluentes da margem esquerda do Douro, quer no baixo Alentejo e em quase todo o litoral do Algarve.
Verifica-se que a Península, na sua maior parte, recebe menos de 600 mm, mas que as fachadas norte e NW são muito mais chuvosas , recebendo em geral mais de 1200 mm.
O Noroeste de Portugal apresenta muitas características atlânticas. Mas as terras baixas de Trás-os-Montes e grande parte do Sul são, sem dúvida, Mediterrâneos
Observando a distribuição das chuvas em Portugal nota-se que os contrastes se acentuam onde o relevo é mais diferenciado. Chove mais nas terras altas, próximas do litoral e, principalmente, nas vertentes expostas aos ventos marítimos; chove menos nas depressões, sobretudo nas mais afastadas do litoral e abrigadas por relevos interpostos.
Perto do oceano as chuvas são frequentes mas pouco intensas.
Nas vertentes abrigadas, o aquecimento das massas de ar, provocado pelo movimento de subsidência a sotavento do obstáculo, já não permite a condensação da humidade que elas ainda contêm.
Separando as áreas com precipitação superior a 600 mm das restantes, obtemos uma faixa contínua englobando toda a fachada Norte da Península e mais de metade da fachada ocidental, que se tem designado como Ibéria Húmida . Se, em vez da isoieta de 600 mm, utilizarmos a de 800 mm, existe, como é óbvio, uma restrição da área da Ibéria Húmida. Esta restrição faz-se notar mais no Alentejo que no interior da Península, porque as áreas interiores com mais de 600 mm de precipitação do interior da Península correspondem sempre a áreas montanhosas, onde as isoietas são bastante apertadas. Curiosamente, ambos os textos de Vilá Valentí (de 1968 e de 1989, este inserido na Geografía Física de España) parecem indicar uma certa preferência pelo valor de 800 mm como limite entre as duas Ibérias.
O limite entre a Ibéria Húmida e a Seca situa-se à latitude de Abrantes, no vale do Tejo. A leste, o limite situa-se perto da fronteira portuguesa. Todavia, o vale do Douro e o conjunto da Cordilheira Central constituem excepções a esta regra, correspondendo a avanços, respectiva-mente, da Ibéria Seca e da Húmida.
Para o interior e para Sul destes limites, todas as áreas com precipitação superior a 800 mm correspondem a áreas montanhosas (Serra de Sintra, S. Mamede, Monchique, Caldeirão, Morena e parte ocidental da cordilheira Bética).
 

7 - O contraste litoral-interior
Um exemplo desta situação pode ser o contraste entre a plataforma litoral e as áreas situadas para o interior do relevo marginal, na região do Porto. As estações da Sª da Hora e da Serra do Pilar apresentam amplitudes térmicas anuais (rondando os 9,3°C) significativamente inferiores às da estação de Sto Tirso (=12,3°C), embora a distância a que esta última se situa do mar seja de apenas 25 km.
Como seria de esperar, estas características acentuam-se à medida que caminhamos para o interior. Assim, o mapa nº 3 de H. Lautensach ( Geografía de España y Portugal - Atlas temático) demonstra, muito claramente, a influência da continentalidade e da distribuição do relevo nas amplitudes térmicas anuais. Estas são sempre mais baixas na fachada ocidental da Península (com valores de 6,2°C no cabo de S. Vicente, cerca de 10°C na região do Porto) do que no litoral mediterrânico (o valor mais baixo é de 11,4°C na Costa Brava, mas os valores mais frequentes nesse litoral rondam os 13-14°C). As amplitudes térmicas na fachada ocidental da Península são também inferiores às do litoral Cantábrico (onde não descem abaixo dos 8,9°C), o que poderá relacionar-se com a má exposição aos ventos de Oeste que este litoral apre-senta.
À medida que se caminha para o interior estes valores aumentam rapidamente. Nota-se, todavia, que esse aumento não é regular. Há uma nítida aceleração que coincide com a barreira de condensação do Norte de Portugal. As curvas descrevem, depois, um vale que coincide com o traçado da Cordilheira Central e mantêm-se bastante próximas (uma variação de 3°C de ampli-tude térmica em cerca de 20 km), coincidindo, praticamente, com a fronteira portuguesa. Deste traçado resulta óbvia a importância da distância à linha de costa, mas também do relevo e so-bre-tudo das consequências que ele tem na precipitação e na humidade do ar. Com efeito, va-l-ores baixos da humidade do ar contribuem para o seu rápido aquecimento durante o dia e du-rante o verão e para um arrefecimento rápido durante a noite e durante o inverno, acentuando, assim, os valores da amplitude térmica diurna e anual.
Também resulta evidente que a influência moderadora do Atlântico não tem paralelo no mar Mediterrâneo . Os valores mais elevados da amplitude térmica anual não coincidem com o centro geométrico da Península, mas são nitidamente desviados para leste, ocorrendo na região de Soria (21,6°C), da serrania de Cuenca (21,3°C), de Aranjuez (21,4°C) e da serra de Segura (21,4°C), que ficam a distâncias cada vez mais pequenas do Mediterrâneo (entre 200 e 100 km), à medida que se caminha para Sul.
Parece, pois, evidente que a variação da amplitude térmica anual não se explica apenas pela distância ao mar, mas é fortemente influenciada pela distribuição do relevo e por uma boa exposição aos ventos de Oeste (de que decorrem valores elevados de precipitação e, conse-quentemente, de humidade do ar).
Os diversos factores que referimos contribuem para a veracidade do ditado popular que diz que, no interior da Península "há nove meses de inverno e três de inferno".
 

8 - Os factores termodinâmicos e a circulação atmosférica regional
A Península Ibérica, situando-se na parte meridional da zona temperada, é um palco do combate entre a circulação da zona temperada (comandada pela corrente de jacto) e subtropical (controlada pelo anticiclone do Açores). O conjunto destas faixas desloca-se para Sul no In-verno e para Norte no Verão, resultando, daí, que a circulação perturbada de Oeste atinge a Península no Outono e na Primavera.

Tipos de tempo da estação fresca
Durante o Inverno , a frente polar pode atingir apenas o Sul da península, permitindo que os anticiclones de origem térmica existentes, no Inverno, no interior da Europa emitam prolongamentos em crista para a Península de molde a constituir situações de bloqueio, que se traduzem por uma certa diminuição da precipitação em algumas es-tações, durante o mês de Fevereiro.
Durante a estação fresca Portugal encontra-se geralmente incluído na faixa latitudinal varrida pelas depressões da frente polar. São sistemas de circulação em que convergem duas massas de ar diferentes. A subida da massa de ar mais quente favorece a condensação da humidade provocando o aparecimento de nuvens e de precipitação. Conforme a velocidade de deslocação das massas de ar e a sua trajectória mais ou menos setentrional, a chuva pode ser fraca ou intensa em Portugal e atingir preferencialmente as vertentes expostas a SW ou a NW. Regra geral, o Norte do País recebe mais chuva que o Sul.
Mas pode acontecer formar-se, mais ao Sul, uma depressão anexa, por penetração de uma comprida língua de ar frio por cima do ar morno subtropical. As depressões deste tipo provocam precipitações mais abundantes no Sul do País. Quando o ar frio de altitude se encontra separado da sua origem setentrional, fala-se de uma situação de gota de ar frio, que pode persistir durante certo tempo.
As situações depressionárias alternam com outras em que a circulação dominante de oeste se interrompe, por estar bloqueada pela presença de um anticiclone de grande desenvolvimento vertical. Conforme a posição deste, sopram ventos frios de NE ou reina uma situação de grande calma, favorável ao arrefecimento nocturno nos vales e bacias, onde se desenvolve de madrugada um denso nevoeiro pelicular de irradiação ou, até, a uma capa de geada.

Tipos de tempo de Verão
A influência do anticiclone do Açores predomina no verão, produzindo uma subsidência generalizada sobre a Península. Porém, dada a sua localização numa área de transição, é possível a existência de situações tipicamente de verão durante o in-verno e vice-versa. A frequência das situações atípicas é controlada pela diferença de latitude entre as áreas setentrionais e meridionais da Península.
As depressões de origem térmica no interior da Península, conjuntamente com o anticiclone dos Açores são responsáveis por uma corrente de norte, a nortada, que se acentua a partir do fim da manhã.
A nortada provoca uma corrente marítima que, devido à força de Coriolis, se dirige para Oeste, obrigando assim, por um fenómeno de compensação, à subida frequente de águas profundas [upwelling ]. Como as águas costeiras do Atlântico estão arrefecidas, desenvolve-se acima delas uma camada de ar fresco e húmido, onde aparece o nevoeiro de advecção. Este penetra pouco para o interior.
Em todo o resto da Península, submetido a uma situação anticiclónica muito estável, a insolação aquece fortemente o solo e a camada de ar que lhe está sobreposta, a ponto de dar origem a uma massa de ar dito ibérico muito quente e turvada por uma espessa bruma seca. A pressão atmosférica baixa então nas camadas interiores aquecidas da atmosfera peninsular. Se a depressão térmica se acentuar, chega a chamar a si o ar marítimo do litoral ocidental, interrompendo durante alguns dias o calor tórrido do interior. Mas, em breve, o ciclo do aquecimento volta a iniciar-se, restabelecendo um gradiente térmico oeste-leste muito acentuado através dc Portugal.

9 - Tipos de clima da Península Ibérica
É difícil estabelecer uma classificação climática totalmente satisfatória da Península Ibérica, dada a enorme diversidade de climas existentes. Há, por isso, várias tentativas de classificação dos climas da Península.
A classificação proposta na Geografía de España (J. Bosque Maurel e J. Vilá Valentí, 1989) contempla:
1 - um grupo de climas sob a influência de processos atmosféricos de origem atlântica;
2 - um grupo de climas em que a influência do Mediterrâneo é o elemento definidor essencial;
3 - um grupo de climas das regiões interiores isolados de ambos os mares, de tendência continental.
A análise de gráficos termo-pluviométricos de algumas estações espanholas (por exemplo, A Coruña, Barcelona, Madrid e Almeria), ilustra bem os três grupos acima referidos e, ainda, a extrema degradação de um clima mediterrâneo (exemplo: estação de Almeria), fruto de uma exposição particularmente desfavorável, que leva J. Vilá Valentí (1968) a considerar uma Espanha semiárida.

10 - Alguns aspectos do clima de Portugal: Análise da distribuição da temperatura e da precipitação em Portugal
A análise dos mapas de isoietas publicados em S. Daveau et al. 1977 (Norte litoral - Norte interior , - Centro litoral ) ou de sua versão simplificada (O. Ribeiro, H. Lautensach, S. Daveau, 1988) permitirá, mais uma vez, agora com mais pormenor, confirmar a influência do relevo e da latitude na distribuição da precipitação. Como estes dois factores estão associados, no Norte do país, quase toda a área a Norte do Tejo apre-senta mais de 800 mm de precipitação.
A análise das isotérmicas de Janeiro e Julho (O. Ribeiro, H. Lautensach, S. Daveau, 1988), com o seu traçado, respectivamente, em diagonal e paralelo à linha de costa, levará os alunos a identificar os factores responsáveis.
 

11 - O clima de algumas estações portuguesas
A análise dos gráficos termo-pluviométricos de algumas estações portuguesas levará os alunos a identificar as variedades climáticos presentes e os factores responsáveis pelas diferenças verificadas.
Como conclusão, serão referidas algumas t entativas de classificação climática de Portugal (M. J. Alcoforado et al., 1982; S. Daveau et al., 1985) e discutidos os problemas e as difi-cul-dades que qualquer classificação climática coloca.

12 - O clima da região do Porto
Parece-nos interessante fazer uma breve análise das três estações da região do Porto cujas normais climatológicas de 1931-60 estão disponíveis. Essa análise permitirá aos alunos reflectir sobre a sua experiência pessoa e servirá, assim, para interiorisar e consolidar os conhecimentos na área da climatologia.
Nesse sentido, analisaremos a evolução das temperaturas médias, das médias das máxi-mas e mínimas e das temperaturas extremas nas estações de Sto Tirso, S. Gens e Serra do Pi-lar. Verifica-se que, embora as temperaturas médias não sejam muito diferentes nestas três es-tações, as amplitudes térmicas são sempre maiores em Sto Tirso. Além disso, é perceptível a maior variação das temperaturas durante o verão.
Como seria de esperar, as temperaturas extremas apresentam uma variação mais irregular, dado o carácter aleatório dos factores que as condicionam. Todavia, é sempre em Sto Tirso que a sua variação é maior. A estação de S. Gens aparece a seguir.
Relativamente à precipitação, a estação de Sto Tirso apresenta em todos os meses valores superiores aos de S. Gens e Serra do Pilar. É possível verificar que a principal diferença entre elas tem a ver com a intensidade das precipitações, porque Sto Tirso tem menos dias de precipi-tação fraca (<0,1mm), mas mais dias de precipitação superior a 10 mm.
Além dos objectivos já referidos, a análise do clima destas três estações permite assim demonstrar como as condições climáticas podem variar rapidamente numa pequena distância, nas regiões litorais, o que permite fazer uma abordagem mais esclarecedora da questão da continentalidade e da influência do relevo.
Por outro lado, a identificação de uma descida da temperatura, no mês de Agosto, nas estações do litoral, permite reflectir sobre a importância da "nortada" e do decorrente upwelling.

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Bibliografia

BRAUDEL, F. - LíEurope, Arts et métiers graphiques, Genève, 1982, 242 p.

BRITO, R. SOEIRO et al. - Portugal: perfil geográfico , Col. Referência, ed. Estampa, Lisboa, 441 p.

(*) DAVEAU, S. - Portugal Geográfico, ed. João Sá da Costa, Lisboa, 1995, 223 p.

ESCOURROU, G. - Climatologie Pratique, Col. Géographie, Paris, Masson, 1978, 172 p.

LAUTENSACH, H., - Geografía de España e Portugal, Ed. Vicens-Vives, Barcelona, 1967, 814 p.

MANUEL DE TERÁN - La Genialidad Geografica de la Peninsula Iberica, in Geografía de España y Portugal, Tomo I (Geografía Física), Barcelona, 1952, p. 3-13

MEDEIROS, C. A. - Geografia de Portugal: ambiente natural e ocupação humana. Uma introdução, Imprensa Universitária, Ed. Estampa, Lisboa, 1994, 250 p.

RIBEIRO, O. - A formação de Portugal, Col. Identidade, série Cultura Portuguesa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (ICALP), Lisboa, 1987, 134 p.

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RIBEIRO, O., LAUTENSACH, H., DAVEAU, S. - Geografia de Portugal. III. O povo português, Lisboa, Ed. Sá da Costa, 1989, p. 627-942

RIBEIRO, O - Geografía de España y Portugal, Volume V, ed. Montaner y Simón, Barcelona, 1952, 268 p.

SOLÉ SABARÍS, L.- La genialidad geográfica de la Península IbéricainGeografía de España y Portugal, Tomo I (Geografía Física), Barcelona, 1952, p. 17-31

(*) VILÀ VALENTÍ, J. et al. - Geografía de España , vol. I, Geografía Física, ed. Planeta, Barcelona, 1989, 591 p.
VILÀ VALENTÍ, J. - La Peninsula Iberica, Ed. Ariel, Barcelona, 1968, 389 p.
 
 

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II - Grandes conjuntos estruturais - plataformas e sistemas dobrados alpinos - caracterização geral

1 - Plataformas

Como o nome indica, trata-se de áreas aplanadas. Contudo, o significado da palavra "plataforma" nem sempre é definido com clareza.

Como já é do conhecimento dos alunos, de disciplinas anteriores, a configuração aplanada do relevo pode ter origem na erosão, na acumulação ou na estrutura das áreas consideradas.

Isso não admira se pensarmos que as plataformas podem ter origens bastante variadas.

Para evitar confusões, utilizaremos a caracterização de R. Coque (Geomorfología, trad. castelhana, Alianza Ed., Madrid, 1987), que nos parece, por um lado, simples e intuitiva e, por outro, dar conta da variedade de plataformas existentes à superfície do Globo.

Segundo o referido texto, as plataformas correspondem aos conjuntos estruturais mais antigos. Representam partes consolidadas da crusta, rígidas e relativamente estáveis. AS referidas caractérísticas, que se adaptam, sobretudo, às plataformas de erosão, podem extender-se às plataformas de acumulação cujas características tectónicas derivem, essencialmente, do soco em que assentam.

Ora, são raras as plataformas estruturais com dimensão suficiente para se considerarem "regiões de plataforma". Por isso, podemos dizer que as regiões de plataforma são, quase sempre, áreas de erosão ou de acumulação.

A existência de extensas áreas cujo aplanamento tem origem na erosão ou acumulação significa, normalmente, que os fenómenos erosivos prevalecem sobre a movimentação tectónica. Trata-se, por isso, de regiões relativamente estáveis, situadas fora dos sistemas dobrados alpinos. Por isso, estas plataformas são conjuntos territoriais consolidados em antigas fases orogénicas. Daí decorre a sua rigidez e estabilidade.

Esta caracterização implica que sejam formadas, sobretudo, por rochas ígneas e metamórficas, correspondentes às raízes de antigas cadeias montanhosas. Estas podem aflorar (plataformas cristalinas) ou constituírem socos cobertos por pequenas espessuras (poucas centenas de metros) de sedimentos continentais com estrutura aclinal ou monoclinal de pequeno pendor (plataformas sedimentares ). Mas plataformas cristalinas e sedimentares não correspondem a compartimentos estanques: basta um levantamento ligeiro para que toda a cobertura da plataforma seja erodida, fazendo aflorar o soco subjacente. Basta uma ligeira subsidência para que uma plataforma cristalina seja fossilizada por sedimentos, transformando-se em plataforma sedimentar.

As características das plataformas dependem muito da idade dos respectivos socos.

Assim, as plataformas precâmbricas (escudos ou cratões) apresentam, geralmente, uma maior tendência para a estabilidade. Correspondem aos antigos continentes da Laurásia e Gondwana. O escudo Báltico é o seu representante no Norte da Europa.

As plataformas primárias (caledónicas e hercínicas) individualizam-se em maciços antigos (anteclises) e bacias sedimentares (sineclises). Nas sineclises a sedimentação mesozóica e cenozóica pode atingir uma certa espessura. As estruturas são aclinais na zona central e moderadamente monoclinais na periferia, podendo a disposição das camadas ser influenciada por acidentes do soco.
 
 

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Plataformas cristalinas

Normalmente as plataformas incluem vestígios de antigos sistemas dobrados, precâmbricos ou primários, em que a erosão, naturalmente persistente, uma vez que se trata de áreas levantadas, acaba por fazer aflorar as raízes das cadeias montanhosas (granitos, auréolas de metamorfismo regional) ou afloramentos de rochas resistentes formando cristas apalachianas (exemplo: as cristas quartzíticas típicas da Zona Centro-Ibérica).

A individualização dos maciços paleozóicos (caledónicos ou hercínicos) é, geralmente, devida a um levantamento bastante recente (plio-quaternário ou, apenas, quaternário). Resulta daí um relevo típico, com uma superfície culminante geralmente poligénica, elaborada durante o Cenozóico e entalhada por gargantas por vezes profundas. Esta situação é frequente no Maciço Hespérico.

Porém, a estabilidade de uma determinada área nunca é indefinida. Assim, ao fim dum certo tempo (algumas estimativas apontam para cerca de 80 milhões de anos, cf.Global Geomorphology , M. A. Summerfield, 1991), as diversas áreas continentais reunidas num supercontinente acabam por induzir um aquecimento considerável na astenosfera subjacente, devido à dificuldade para o calor, de origem radioactiva, ou proveniente do núcleo da terra, atravessar a crusta continental.

Daí pode resultar um processo de intumescência térmica que acaba por conduzir à formação de novos rifts. Foi o que aconteceu aquando da ruptura da Pangea , no início do Mesozóico. É o que se passa, actualmente, no vale do Rift, na parte oriental de África. Todavia, face à complexidade do traçado dos rifts, é difícil prever se se vai dar alastramento dos fundos oceânicos nessa área. Aparentemente, isso dependerá da movimentação global das placas. Os rifts mal situados relativamente a elas poderão abortar (M. A. Summerfield, 1991, op. cit.).

Um outro fenómeno que pode encontrar-se em certas margens passivas é a existência de importantes rebordos montanhosos que correspondem a levantamentos na periferia das plataformas. É bastante discutida a origem desses rebordos, aventando-se teorias várias, desde modelos essencialmente térmicos, relacionados com os fluxos de calor do manto até modelos mecânicos (isostasia flexural, cf. M. A. Summerfield, 1991, op. cit.).

Bacias sedimentares:

Podem corresponder a diversos tipos:

1 - Coberturas das plataformas epi-câmbricas, epi-caledónicas ou epi-hercínicas da Europa estável (exemplo: bacias interiores da Meseta );

2 - Rifts intracontinentais onde esta cobertura é deformada por falhas normais com rejecto moderado e onde o relevo assim criado é compensado por uma sedimentação síncrona do movimento das falhas (exemplo: Bacia do Tejo e Sado);

3 - Bacias alpinas periféricas onde se depositam os molassos das cadeias alpinas, com uma subsidência por vezes muito activa que é responsável pela grande espessura dos terrenos, geralmente post-oligocénicos (exemplo: Bacia do Ebro ).

2 - Sistemas dobrados alpinos

Constituem as faixas de sutura mais recentes, ligando ou apoiando-se sobre plataformas precâmbricas e paleozóicas. Consoante a sua posição relativamente às plataformas pré-existentes e à arquitectura de conjunto daí decorrente, podem classificar-se em vários tipos:

Tipo intracontinental : corresponde ao dobramento de sedimentos depositados num mar epicontinental. Deste modo, o substrato é formado pela crusta continental pré-existente.

Os Pirinéus constituem um exemplo deste tipo de cadeia. O soco hercínico forma a zona axial da cadeia e aparece, também, comprometido no dobramento correspondendo à base de alguns dos mantos de carreamento que se dispõem, formando um leque, a partir da referida zona axial.

Tipo pericontinental : forma-se quando se desenvolve uma zona de subducção na periferia de um continente. A subducção da placa oceânica produz a compressão da crusta continental, bem como dos sedimentos depositados sobre ela e na fossa. A fusão de crusta oceânica juntamente com a água e os sedimentos que ela arrasta produz intenso vulcanismo de tipo intermédio (andesitos). Os exemplos clássicos desta situação são os Andes e as Montanhas Rochosas.

Tipo intercontinental : cadeia montanhosa formada pelo choque de dois continentes. Representa o fecho de um ciclo, em que o oceano formado por rifting vai desaparecer e dar lugar a uma zona de sutura. Corresponde ao estádio final do ciclo de Wilson , de duração média de cerca de 500 milhões de anos. É o caso de maior complexidade estrutural, já que cada um dos continentes pode ter, na sua periferia, arcos insulares ou cadeias pericontinentais. Pode dar-se como exemplo os Alpes e os Himalaias. Nestes casos, a baixa densidade das duas placas litosféricas em colisão não facilita a subducção, pelo que, no fundo, se dá um empilhamento das placas continentais (obducção continental) conducente à formação de relevos de grande altitude (Himalaias).

Verifica-se uma progressiva importância do soco na evolução da cadeia montanhosa quando se vai das cadeias intercontinentais para as pericontinentais e intracontinentais.

É conveniente fazer, nesta altura, uma breve recapitulação das diversas fases da sedimentogénese, da tectogénese e do magmatismo que lhe está associado, noções já aprendidas na disciplina de Introdução à Geologia.

É necessário, além disso, matizar a importância dos movimentos horizontais na criação das cadeias montanhosas. Eles não são os únicos responsáveis pela criação do relevo. Com efeito, as cadeias alpinas europeias resultam da coincidência entre os movimentos compressivos, geradores de estruturas dobradas e de carreamentos de grande amplitude, e os movimentos verticais, responsáveis por um levantamento de conjunto.

A compressão que engendrou as cadeias alpinas europeias terminou no Miocénico superior . Todavia, os movimentos tectónicos prolongaram-se, geralmente, ao longo do Pliocénico e do Quaternário .

N.B: para acompanhar o texto parece-nos fundamental consultar mapas e as tabelas crono-estratigráficas enviadas por e-mail e também disponíveis neste site:

1 - Tabela em Português- Univ. Coimbra, 1973

2 - Tabela do Prof. João Pais (Universidade Nova de Lisboa)

3 - Tabela em inglês

4 - Etc!

Alguns textos e tabelas simplificadas poderão dar uma ajuda inicial para a aprendizagem inicial
 
 

Estas tabelas deverão ser consultadas simultaneamente com mapas, dos quais destacamos, já que engloba todo o país e é de fácil leitura, o mapa tectónico da Península Ibérica

No Pliocénico, deu-se um movimento de subida de conjunto, em certas áreas. Noutras produziu-se, por compensação, um afundamento com distensão que criou algumas bacias oceânicas (sobretudo no Mediterrâneo ocidental). No Quaternário a compressão recomeçou, sobretudo ao longo do actual limite de placas entre a Eurásia e a África.

Assim, a individualização das unidades morfoestruturais deve-se, em grande medida, aos movimentos tectónicos recentes. As respectivas orientação e tendência geral interferem com as orientações antigas, ora se sobrepondo a elas, ora intersectando-as de forma quase completamente independente.

Deste modo, a Geomorfologia deixa de ser, apenas, mais um elemento descritivo, porque, através das suas relações com a neotectónica, se torna um elemento essencial em qualquer síntese geodinâmica.
 
 

II - A integração da Península Ibérica no quadro geológico europeu

(consultar, essencialmente RIBEIRO, A. et al.. - Introduction à la Géologie générale du Portugal, Serviços Geol. Portugal, Lisboa, 1979, 114 p.

descarregar a primeira parte do texto no formato pdf  geol1.pdf
descarregar a segunda parte do texto texto no formato pdf geol2.pdf

Pode dizer-se, de um modo geral, que a Península Ibérica corresponde a um grande planalto desnivelado , rodeado por montanhas e apenas aberto a Oeste às influências marinhas . Para a compreensão da estrutura geral da Península e do seu caráter maciço é necessário reportarmo-nos à sua situação no contexto europeu.

Assim, a Europa pode ser dividida em grandes conjuntos agrupando rochas dobradas aquando de cada uma das grandes orogenias que a afectaram:

Eo-Europa : formada durante orogéneses Precâmbricas (parte oriental da Escandinávia);

Paleo-Europa : formada durante a orogénese Caledónica (parte ocidental da Escandinávia, Norte da Alemanha, maior parte da Grã-Bretanha e da Irlanda);

Meso-Europa : formada durante a orogénese Hercínica (grande parte da Alemanha, França e da Península Ibérica);

Neo-Europa : parte oriental da Península Ibérica, toda a cadeia Alpina e as cadeias que a prolongam para leste.

Os maciços hercínicos são característicos da Europa média. A cadeia Hercínica corresponde a uma estrutura complexa e arqueada, opondo-se, assim ao desenvolvimento linear da cadeia Caledónica. Na área sudoeste, as unidades hercínicas desenham o arco Ibero-armoricano , posteriormente segmentado pela abertura do golfo da Gasconha que separou a região da Bretanha da Península Ibérica. A rotação do Maciço Hespérico permitiu que ele seja o maciço hercínico em posição mais meridional.

As cadeias alpinas, testemunhos da última orogenia que afectou a Europa, são as que se situam mais a Sul, à volta do Mediterrâneo .

Parece, assim, que a idade das rochas que constituem o continente europeu é progressivamente mais moderna à medida que se caminha de Norte para Sul.

Esta distribuição espacial pode explicar-se recorrendo à teoria da tectónica de placas , que sustenta que todos os continentes se formaram a partir de fragmentos progressivamente cratonizados . Cada um desses fragmentos foi consolidado numa dada orogenia. Depois, abriam-se novos rifts e os novos mares e oceanos encheram-se de sedimentos. A criação de novas zonas de subducção junto a algumas margens continentais, consumindo crusta oceânica, leva a uma aproximação dos continentes e à respectiva colisão, formando-se novas cadeias montanhosas nas faixas de sutura entre os antigos continentes. É o caso dos orógenos paleozóicos que formam faixas de sutura aglutinando fragmentos continentais de idade precâmbrica.

Os Alpes resultam da colisão entre a placa euroasiática e a placa africana , tal como os Himalaias resultam da colisão entre a Eurásia e a Índia . Assim sendo, o Mediterrâneo é um mar residual que tenderá a desaparecer, dentro de alguns milhões de anos. Nessa altura, a cadeia alpina será uma faixa contínua desde a Península Ibérica até à extremidade da Ásia.

A teoria da tectónica de placas constituiu uma verdadeira revolução na maneira de compreender a Terra. Os geólogos passaram a ter instrumentos de análise que lhes permitem enquadrar a área estudada num conjunto mais amplo e compreender melhor a respectiva paleogeografia, estabelecendo as relações prováveis com outras áreas que possam ter feito parte do mesmo conjunto continental num passado mais ou menos remoto. É exemplo disso a relação que se estabeleceu entre o Maciço Hespérico e o Maciço Armoricano . Deste modo, o enquadramento numa área afim, bem como a posição relativamente aos antigos limites de placas, ajuda a explicar o essencial da litologia e estrutura geológica do Maciço Hespérico.

Por outro lado, a posição face às placas actuais determina a actividade sismo-tectónica actual . Ora, segundo esse ponto de vista, Portugal localiza-se na faixa de choque entre a Europa e a África, cujo limite corresponde à falha Açores-Gibraltar e ao seu prolongamento no Mediterrâneo ocidental. Além disso, estudos recentes (A. Ribeiro, referido em O. Ribeiro et al., 1987 e J. Cabral, 1993) sugerem a emergência da uma zona de subducção que, partindo do Sul de Portugal, se estaria a estender para Norte e que explicaria a sismicidade anormalmente elevada e uma certa intensidade da movimentação neotectónica junto ao litoral ocidental da Península .

NB: Para saber a localização dos últimos sismos ocorridos em Portugal e Espanha , consulte os sites:

http://www.meteo.pt/sismologia/map_sis.gif

http://www.geo.ign.es/servidor/sismo/cnis/proximo/proximo.html
 


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IV - As grandes regiões estruturais de Portugal

1 - Apresentação geral

A observação de algumas fotografias aéras disponíveis no site do CNIG vem provar - para quem necessitasse dessa prova, que existe uma enorme influência da estrutura geológica (litologia+estrutura) nas paisagens que os geógrafos em geral, e os geomorfólogos em particular, se propôem estudar.

Daí que tenhamos privilegiado uma abordagem baseada justamente na estrutura geológica, que nos permite, além do mais, contar simultaneamente a "história" de cada uma das grandes áreas em que o país se organiza de uma forma minimamente inteligivel.

70% da superfície de Portugal corresponde ao Maciço Hespérico . Trata-se de um conjunto constituído por rochas sedimentares, ígneas e metamórficas ante-mesozóicas, consolidadas sobretudo aquando dos movimentos hercínicos. Estes são responsáveis pelas suas orientações de conjunto e pela promoção de extensos fenómenos de granitização com o decorrente metamorfismo.

O Maciço Hespérico ocupa a parte ocidental e central da Península Ibérica e constitui o núcleo primitivo e fundamental do território, que o mar só tornou a invadir na periferia. Por isso, é à volta do Maciço Hespérico que se dispõem as restantes unidades constituintes da Península Ibérica. Devido ao facto de ter sido dobrado e metamorfizado (muitas vezes com granitização) durante a orogenia hercínica, o Maciço Hespérico tornou-se no núcleo resistente ao dobramento alpino. O carácter maciço da Península Ibérica e a importância que os planaltos nela assumem devem-se, justamente, à existência do soco hercínico que constitui a microplaca Ibérica.

Como é próprio das plataformas cristalinas, o Maciço Hespérico é constituído por superfícies de erosão fracturadas ou balanceadas e levantadas a cotas variadas, com alguns relevos residuais (devidos a uma maior resistência ou à posição).

Em alguns locais, no interior do Maciço Hespérico, existem testemunhos de depósitos de origem continental, de idades muito variadas, que vão desde o Cretácico até ao Holocénico e que podem ajudar a reconstituir a respectiva história geomorfológica.

A periferia do Maciço Hespérico foi invadida pelo mar durante o Mesozóico e princípio do Cenozóico e foi, assim, coberta por sedimentos meso-cenozóicos. A abertura do oceano Atlântico controlou a evolução da fachada ocidental Ibérica. A abertura e fecho do sulco mesogeu influenciou a evolução da Orla Algarvia.

Assim, o substrato paleozóico, quer no centro, quer na periferia da Península Ibérica está, frequentemente, coberto por sedimentos mais recentes que o mascaram.

Todavia ele pode aparecer a descoberto, constituindo, quer extensas áreas aplanadas (a superfície da Meseta: Trás-os-Montes oriental, Beira Transmontana), quer os relevos que a circundam (rebordo montanhoso da Meseta).

2 - Distinção entre os conceitos de Maciço Hespérico e de Meseta Ibérica

O conceito de Maciço Hespérico não coincide com o de Meseta Ibérica, que é uma designação geomorfológica e só devia ser aplicada aos fragmentos aplanados do soco e à sua cobertura tabular (ao contrário do que fazem, frequentemente, os autores de língua castelhana, como se vê na figura anterior).

A Meseta corresponde, essencialmente, a um planalto interior modelado em argilas e margas miocénicas que assentam sobre o soco hercínico. Este aflora em muitos locais em que a cobertura Cenozóica foi erodida, geralmente na periferia da Meseta. Estas áreas aplanadas, cobertas por sedimentos terciários funcionam como bacias interiores, por oposição às bacias exteriores do Tejo e Sado, Ebro e Guadadalquivir.

Sob o ponto de vista geo-estrutural, os sectores da Meseta cobertos por sedimentos terciários correspondem às bacias interiores do Douro (por vezes chamada de "Castela-a-Velha") e do Tejo ("Castela-a-Nova").

No fundo, a Meseta corresponde, quer a uma superfície de erosão, talhada em rochas do Maciço Hespérico, quer a uma superfície de acumulação de materiais Terciários, que assentam sobre a referida superfície de erosão.

Os sedimentos miocénicos estão, geralmente, dissecados pelo encaixe dos rios e, por vezes, reduzidos a relevos residuais.

No mapa de Lautensach pode verificar-se que a forma de descrever o relevo da Península baseada em conceitos descritivos nem sempre coincide com a descrição baseada em conceitos estruturais.

A Meseta articula-se em dois degraus, separados pela Cordilheira Central, que corresponde a um horst devido à compressão alpina, alongado na direcção ENE-WSW (direcção Bética). Dos dois degraus acima referidos, o mais alto é o setentrional, com altitudes entre 700 e 800 m, enquanto que o degrau meridional apresenta altitudes entre 400 e 200 m.

Ao mesmo tempo que se davam as movimentações alpinas, todo o bloco da Meseta se inclinou para Oeste, o que definiu a orientação dos principais rios (com a excepção do Ebro).
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V - Maciço Hespérico

Nota: propõe-se que os estudantes utilizem o esboço geológico para irem pintando, de preferência num programa de desenho (Adobe Photoshop) à medida que forem estudando as diferentes matérias, as áreas correspondentes com cores adequadas (podem utilizar as da legenda anexa ).

1 - Características gerais e zonamento

É o fragmento mais contínuo do soco hercínico na Europa. Dentro do Maciço Hespérico as características paleogeográficas, tectónicas, magmáticas e metamórficas são bastante constantes numa direcção paralela às estruturas, mas mudam radicalmente numa direcção transversal . Isto imprime à cadeia hercínica uma zonalidade que permite a correlação entre os diversos fragmentos do soco hercínico, hoje separados por bacias sedimentares, por fundos oceânicos ou por cadeias alpinas.

Um primeiro zonamento do orógeno proposto por Lotze em 1945 foi revisto, dando origem às zonas Cantábrica, Oeste-Astúrico-Leonesa, Centro-Ibérica, Ossa-Morena e Sul-Portuguesa. Elas podem agrupar-se em domínios e e zonas externas (Cantábrica e Sul-Portuguesa) e internas (as restantes). Cada um desses conjuntos tem algumas características comuns.

Assim, nos domínios e e zonas internas o Precâmbrico e o Paleozóico inferior predominam, a deformação é precoce e intensa, o metamorfismo regional é de grau elevado e existem extensas intrusões sin-orogénicas.

Nos domínios externos o Paleozóico superior aflora mais largamente, a deformação é menos intensa e mais tardia, o metamorfismo regional de grau mais baixo e as intrusões sin-orogénicas mais raras.

Tudo se passa com se houvesse uma migração da sedimentação e da orogénese das zonas interiores para as exteriores.

Como noutros locais da Europa, o orógeno hercínico Ibérico caracteriza-se por um dispositivo em leque com estruturas verticais, no centro, e tombadas para o exterior, nas margens.

Existe, pois, uma certa simetria bilateral, mas há grandes diferenças entre os dois domínios externos.

Enquanto que na Zona Cantábrica predomina uma sedimentação carbonatada, de plataforma, a sedimentação na Zona Sul-Portuguesa é uma sedimentação mais profunda, de flysch interestratificado com rochas vulcânicas que pressupõem a existência de uma margem continental activa, nessa área, a partir do Devónico médio.

Flysch - termo originado na Suíça, aplicado inicialmente aos sedimentos alpinos, posteriormente usado, por analogia, para os hercínicos portugueses, por exemplo. Trata-se de sedimentos produzidos pela erosão de estruturas dobradas em formação, que são, posteriormente, dobrados por novas fases de dobramento. Na Suíça, correspondem a rochas argilosas, arenitos impuros e conglomerados sintectónicos, ao contrário dos molassos. Segundo "The Penguin Dictionary of Geology", trata-se de um termo que não deve ser exportado.
 

Molasso - termo também originado na Suíça: sedimentos produzidos pela erosão de cadeias montanhosas depois da fase final duma orogénese (formação post-tectónica). Na Suíça os molassos alpinos incluem arcoses, conglomerados e brechas polimíticos e argilitos vermelho acastanhados. Parecem ter-se formado em bacias intramontanhosas e são, geralmente, não marinhos. Os arenitos triássicos do leste dos USA seriam molassos derivados da erosão dos Apalaches e o grés vermelho antigo do Devónico de Inglaterra teria resultado da erosão das montanhas Caledónicas.

As diferentes zonas dentro do Maciço Hespérico estão separadas por acidentes profundos de primeira grandeza. Estes acidentes manifestaram-se diversas vezes durante todo o ciclo hercínico, o que sugere um controle da evolução paleogeográfica e tectónica por falhas profundas, separando compartimentos crustais de natureza diferente. Além disso, eles podem rejogar nos diversos impulsos tectónicos sofridos pelo território, pelo que podem ser sede de movimentação neotectónica apreciável (ex: falha Porto-Tomar ).
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2 - Zona Cantábrica

A Zona Cantábrica é limitada, a Oeste, pelo anticlinório de Narcea, onde se encontram os únicos afloramentos de Paleozóico inferior desta zona. Os sedimentos têm fácies de plataforma carbonatada, com longos períodos de emersão , até que, no início do Carbónico, se processa uma grande transgressão, responsável pela formação dos calcários que constituem os Picos de Europa . O magmatismo é raro, constituído, apenas, por alguns " stocks" na área do anticlinório de Narcea. As estruturas constituem, no seu conjunto, o "arco asturiano" , em que predominam os mantos produzidos pelo descolamento da cobertura paleozóica sobre o substrato Precâmbrico. A deformação é Westfaliana-Estefaniana (Carbónico superior) com formação de molassos .

A inexistência de metamorfismo e granitização levou a que esta zona fosse retomada na orogenia alpina, mantendo uma deformação de tipo dúctil e funcionando como um prolongamento dos Pirinéus.

Sobre os calcários de montanha , de idade carbónica e fácies por vezes recifal ,implantaram-se fenómenos de carsificação espectaculares:

As áreas mais bem preservadas dos Cantábricos constituem o Parque Nacional de Covadonga, onde é possível observar lagos glaciários como os de Enol e Ercina.

3 - Zona Oeste-Astúrico-Leonesa

O Paleozóico inferior (Câmbrico e Ordovícico) torna-se muito espesso. O Silúrico tem alguma representação. A primeira fase da orogenia hercínica é mais antiga que na zona Cantábrica. O magmatismo sin-orogénico já se assemelha ao da zona Centro-Ibérica.

O limite SW desta zona corresponde a uma antiforma (região de Sanábria , muito perto da fronteira NE portuguesa) em que aflora uma formação precâmbrica vulcano-detrítica (Ollo de Sapo).

A figura nº 5 da notícia explicativa do Mapa tectónico de la Península Ibérica y Baleares pode ilustrar, melhor do que muitas palavras, as características essenciais destas duas zonas. O interesse da sua análise reside, sobretudo, na possibilidade de comparação com as zonas portuguesas e na visão global que esse estudo comparado pode dar relativamente à evolução do orógeno hercínico ibérico.
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4 - Sub-zona da Galiza média-Trás-os-Montes

Corresponde a um sector especial dentro da zona Centro-Ibérica. Uma das características mais salientes é o facto de possuir cinco maciços de forma arredondada compostos por rochas de alto grau de metamorfismo e de composição máfica e ultramáfica, que teriam correspondido a antigas sequências ofiolíticas. Estes maciços situam-se no Cabo Ortegal, Santiago de Compostela, Lalín, Bragança e Morais.

Ofiolitos - Lavas básicas e ultrabásicas relacionadas com o enchimento de um geossinclinal ( Dictionary of Geology, Penguin Books, 1985).

Têm uma história muito complexa e por isso se consideraram polimetamórficos. Os respectivos contactos com as zonas encaixantes são cavalgamentos sobre sequências monometamórficas do Silúrico, muito ricas em rochas vulcânicas ácidas e básicas (grupo transmontano). O grupo transmontano, por sua vez, cavalga as rochas da zona Centro-Ibérica por um outro acidente que desenha um arco de 180° em Trás-os-Montes.

O magmatismo sin-orogénico é caracterizado, em Trás-os-Montes oriental, pela exiguidade das intrusões de granitóides.

As dobras da primeira fase hercínica estão adaptadas aos limites das rochas menos dúcteis que compõem os maciços.

Embora uma hipótese autoctonista pareça responder bastante bem à geometria dos maciços e à forma como se relacionam com as rochas encaixantes, não se deve excluir a possibilidade de um carreamento de complexos polimetamórficos partindo de uma raiz situada no contacto entre a zona Centro-Ibérica e Ossa-Morena, perto da região do Porto . Nesse caso, o carreamento ter-se-ia estendido por 200 km. Esta teoria tem sido, ultimamente, defendida por A. Ribeiro e E. Pereira (in Pre-Mesozoic Geology of Iberia, 1990, p. 220-236).

5 - Zona Centro-Ibérica

Uma das características da Zona Centro-Ibérica é a quase total ausência de Precâmbrico bem documentado, com excepção de um afloramento de gneisse do tipo Ollo de Sapo na região de Miranda do Douro, situado sob o complexo xisto-grauváquico ante-ordovícico (CXG). Este corresponde a uma série tipo flysch , normalmente considerada de idade Precâmbrica superior/Câmbrica, embora, ultimamente, se tenha acentuado a tendência para a considerar apenas Câmbrica. O complexo xisto-grauváquico corresponde a um fácies mais profundo do que a generalidade do Câmbrico das zonas envolventes, o que prova a existência de uma fossa profunda nesta área, durante o Câmbrico.

Os limites com as zonas envolventes correspondem a uma transição suave na parte NE, a partir do flanco do anticlinório do Ollo de Sapo. A SW trata-se da faixa de compressão Portalegre-Ferreira do Zêzere . A Oeste, o contacto estabelece-se através da falha Porto-Tomar .

A principal diferença da Zona Centro Ibérica em relação à Zona Oeste-Astúrico-Leonesa corresponde à discordância entre o quartzito do Ordovícico e o complexo xisto-grauváquico , o que implicaria a actuação de uma fase designada normalmente por "fase sarda", que não deve, contudo, ser relacionada com a orogénese caledónica, dado o seu carácter distensivo.

Os quartzitos do Ordovícico correspondem, efectivamente a um dos aspectos mais relevantes da Zona Centro-Ibérica, marcando muitas das suas paisagens. Podemos fazer um referência especial ao anticlinal de Valongo , ao sinclinal do Buçaco , e à importância que as cristas quartzíticas têm na Beira Baixa .

Na fossa dúrico-beirã estão conservados dois conjuntos de molassos: do Westfaliano D (que contêm elementos do granito alcalino do Porto) e do Estefaniano B-C (cortados pelo afloramento do granito calco-alcalino de Castro Daire).

Os granitóides hercínicos são muito variados e afloram em manchas muito extensas. Compreendem, sobretudo, os granitóides da série alcalina e calco-alcalina. As rochas básicas são muito menos importantes.

Granitóides da série alcalina (exemplo: granito do Porto )

Predominam os granitos de duas micas, com carácter leucocrata, com percentagem de moscovite idêntica à de biotite. Têm tendência a acompanhar as fases compressivas. Os mais representativos têm idades à volta de 300 MA.

A sua mise en place fez-se, sobretudo, durante a tectogénese. Estão estritamente controlados pelo metamorfismo regional e parecem produzir-se por anatexia húmida da parte média da crusta no decurso do metamorfismo regional. Sendo assim, relacionam-se com as áreas envolventes através de auréolas de metamorfismo regional, bastante extensas. Estas apresentam sequências em que se parte de rochas como os gneisses, migmatitos e micaxistos, junto ao foco granítico e se passa, depois, para xistos mosqueados e, finalmente, xistos luzentes.

Granitóides da série calco-alcalina e rochas básicas associadas (granito de Lavadores, de Castro Daire)

No caso destes granitos, a biotite domina a moscovite, são frequentes os precursores básicos e os encraves microdioríticos. Apresentam carácter mesocrata e muitos minerais acessórios.

Os granitos calco-alcalinos podem agrupar-se:

1 - Granodioritos precoces, ligados a fases distensivas com idades situadas à volta dos 330-320 MA.

2 - Granitos post-tectónicos formados durante o período de fracturação tardi-hercínica, posterior à tectogénese, que acompanhou, provavelmente, o período de surreição final da cadeia hercínica. São posteriores aos ganitos alcalinos e, na sua maior parte, apresentam idades que rondam os 280 milhões de anos (MA). No Norte do Maciço Hespérico esta série é formada por fusão seca da parte inferior da crusta no decurso do metamorfismo regional e por mistura com produtos básicos infracrustais. No Sul, a proporção de material infracrustal é maior e alguns granitóides podem ter-se formado por diferenciação magmática .

O contacto entre a zona Centro-Ibérica e Ossa Morena: a falha Porto-Tomar

O contacto entre a zona Centro-Ibérica e Ossa-Morena é um alinhamento de primeira grandeza. Trata-se de um cavalgamento, no centro de Portugal (a SW), passando a um cisalhamento N/S, perto do bordo ocidental do Maciço Hespérico, na região de Coimbra. Para Norte, toma a direcção NNW/SSE e atinge o litoral a Norte da praia da Madalena, cujas areias já assentam sobre gneisses e migmatitos da Zona de Ossa-Morena.

A falha Porto-Tomar é interpretada como sendo a sutura entre o continente Euroasiático (placa Armoricana) e Africano (Gondwana) ao tempo da orogenia Cadomiana (final do Precâmbrico). Como se sabe, as zonas de sutura são faixas onde existe uma certa fragilidade da crusta que pode originar movimentação tectónica persistente, que se prolonga até aos nossos dias (neotectónica ). Cabe aqui fazer uma primeira referência à importância geomorfológica que esta falha tem, mostrando que ela corresponde, grosso modo, ao rebordo interior da plataforma litoral na região a Sul do Douro.
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6 - Zona de Ossa-Morena

A sequência da Zona de Ossa-Morena começa por um Precâmbrico polimetamórfico , seguido de um Precâmbrico monometamórfico (Série Negra) , coberto, por sua vez, pelo conglomerado de base do Câmbrico, que tem fácies de plataforma carbonatada (mármores de Estremoz-Vila Viçosa ).

A Norte de Abrantes, as estruturas da zona de Ossa-Morena têm uma direcção quase N/S, no bordo ocidental do Maciço Hespérico, e formam uma faixa estreita entre a zona Centro-Ibérica e os terrenos da Orla.

Neste sector, o contacto entre as zonas de Ossa-Morena e Centro-Ibérica corresponde a uma "faixa blastomilonítica" , constituída por rochas metamórficas muito tectonizadas, intruídas por gneisses e migmatitos. Na faixa de Albergaria-a-Velha-Espinho verifica-se que o metamorfismo hercínico se imprimiu sobre um metamorfismo pré-hercínico.

O magmatismo sin-orogénico tem características particulares.

A NE há uma faixa de transição com a zona Centro-Ibérica, onde existem granitóides idênticos aos desta zona. No maciço de Évora ainda se encontram granitóides de duas micas. Para SW as intrusões básicas aumentam e o quimismo calco-alcalino predomina.

Sob o ponto de vista paleogeográfico, a Zona de Ossa-Morena pode interpretar-se como um testemunho de crusta continental atenuada, situada entre um domínio oceânico representado pelos ofiólitos de Beja-Acebuches, a SW, e a crusta continental normal, a NE, correspondente à Zona Centro-Ibérica. Para além das diferenças de fácies existentes entre esta zona e a zona Centro-Ibérica, a principal diferença entre elas reside na existência de um soco precâmbrico em áreas importantes da Zona de Ossa-Morena, que não tem equivalente na Zona Centro-Ibérica.

7 - Zona Sul Portuguesa

Trata-se de uma área constituída por rochas muito mais recentes do que as que afloram nas zonas centrais. Com efeito, falta todo o Paleozóico inferior e as rochas mais antigas são do Devónico médio. O vulcanismo, quer ácido, quer máfico torna-se muito importante e as rochas plutónicas quase desaparecem. A conhecida faixa piritosa, que se localiza perto do contacto entre a Zona de Ossa-Morena e a Sul-Portuguesa e onde existam as maiores reservas do mundo de pirites, fica a dever-se a processsos sedimentares submarinos relacionados com o vulcanismo desenvolvido num processo de distensão crustal posterior ao choque entre aquelas duas zonas (J. B. Silva, J. T. Oliveira e A. Ribeiro, 1991, p. 360, in Pre-Mesozoic Geology of Iberia).

A xistosidade mergulha para NE, contrastando com a atitude quase vertical das dobras nas zonas internas. Torna-se quase plana quando nos aproximamos do limite SW desta zona, originando os carreamentos de Odemira e Carrapateira .

Comparando a paleogeografia e a tectónica das zonas de Ossa-Morena e Sul-Portuguesa, podemos pôr em evidência uma polaridade muito nítida: a idade do flysch torna-se mais recente para SW, bem como a idade da deformação principal (Devónico médio na zona de Ossa-Morena e afectando o Vestefaliano no limite SW da zona Sul-Portuguesa). Esta migração para SW é simétrica da migração para NE no ramo setentrional da cadeia.
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8 - Fracturação tardi-hercínica

A fase final da orogénese hercínica traduziu-se por uma subida pós-tectónica acompanhada pela existência de tensões de direcção N-S (durante o Estefaniano, fase I) e a respectiva mudança da tensão para W-E (durante o Pérmico, fase II).

O sistema de tensões da fase I produziu dois conjuntos de desligamentos: um sistema sinistrógiro com direcção NNE/SSW a ENE/WSW e um sistema dextrógiro com direcção NNW/SSE a NW/SE. Estes sistemas afectam os granitos alcalinos (300±10 MA). Porém, a intrusão dos granitos calco-alcalinos (280±10 MA) parece ser parcialmente controlada por ele. Deve salientar-se a grande extensão e a importância de que o rejogo destes acidentes durante o Cenozóico se reveste para a geomorfologia do território (correspondendo a graben tais como a Veiga de Chaves e da Vilariça, ou a horst tais como a Cordilheira Central , e ainda à intensa rede de fracturação que pode observar-se na Beira Alta, etc.).

Durante a fase II a direcção de compressão máxima passa a ser Este/Oeste. As estruturas devidas a esta fase produzem estruturas de direcção N/S numa formação post-tectónica, tipo "molasso" (Autuniano do Buçaco ), que é o último testemunho do ciclo hercínico no território de Portugal, e afectam, sobretudo, o bordo ocidental do Maciço Hespérico. Assim, é nas Berlengas que este sistema parece ter uma maior relevância.

A última fase de fracturação tardi-hercínica é posterior ao Autuniano e anterior ao Triássico da região de Coimbra, que não é afectado pela fracturação N/S.

A fracturação tardi-hercínica, cujos desligamentos rejogaram várias vezes a partir dos tempos paleozóicos, corresponde, nomeadamente, às falhas transformantes que vão condicionar as primeiras fases da abertura do Oceano Atlântico , durante o Mesozóico.

9 - Reconstituição paleogeográfica do ciclo hercínico. Tentativa de síntese

A Península Ibérica foi afectada por deversos Ciclos orogénicos: Precâmbrico, Hercínico e Alpino.

Os sedimentos do ciclo hercínico formaram-se sobre um substrato precâmbrico, que aflora apenas em alguns locais no interior da cadeia hercínica. Porém, a grande intensidade da deformação hercínica apagou certas marcas deixadas por orogenias anteriores. Além disso, em certos locais, o ciclo hercínico começa no Precâmbrico superior. Por isso, a nossa análise basear-se-á no estudo do Ciclo Hercínico.

O Ciclo Hercínico pode considerar-se estruturado em três períodos diferentes:

Entre o Precâmbrico superior e o Devónico médio: período geossinclinal (250 MA), com o depósito de espessas séries, em regime de extensão, acompanhada localmente de epirogénese e de vulcanismo.

Entre o Devónico médio e o Vestefaliano (80 MA): tectogénese. Predomina a contracção crustal, sedimentação sin-orogénica do tipo flysch e a formação de granitóides por anatexia (granitos alcalinos).

Entre o Vestfaliano superior e o Pérmico superior (60 MA) a cadeia foi levantada, erodida e cortada por desligamentos, enquanto que se davam as últimas intrusões post-tectónicas (granitos calco-alcalinos) e se depositavam molassos nas fossas periféricas e intramontanhosas (período post-tectónico).

Esta análise super-simplificada será complementada pela observação dos esquemas acima referidos (A. Ribeiro, 1974, E. Pereira, 1988) e acompanhada por uma recapitulação das formações relacionadas com os eventos mais importantes, feita através da observação de mapas geológicos.
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10 - Análise global e comparação entre as diferentes zonas

A descrição da litologia e estrutura das diferentes zonas dentro do Maciço Hespérico, necessariamente muito sumária, será efectuada com base na observação de mapas geológicos, de molde a ser uma resultante da análise dos alunos e não um objecto de memorização.

Para compreender como se processou a sedimentação e a tectogénese dessas formações e qual o significado das diversas zonas na evolução do orógeno hercínico Ibérico socorrer-nos-emos de esboços vários, com destaque para o publicado em A. Ribeiro (Contribution à l'étude tectonique de Trás-os-Montes oriental, 1974, p. 160). Esta interpretação, cuja relativa simplicidade a torna particularmente interessante para os alunos, é complementada por informação sobre teorias mais recentes, contidas, nomeadamente, em E. Pereira (1988: Soco hercínico da zona Centro-Ibérica - evolução geodinâmica ). Esta abordagem permitirá sublinhar o carácter relativamente efémero das interpretações deste tipo e a abertura à inovação que deve ser apanágio do espírito científico.

Na Península Ibérica a orogénese hercínica tem um carácter polifásico. O essencial da deformação deve-se a dois episódios de deformação que puderam ser datados pela presença de discordâncias nas zonas externas ou superficiais ou pelas datações radiométricas de certos granitos de que se conhece a relação geométrica com as estruturas.

A 1ª fase escalona-se entre o Devónico médio e o Viseano (Carbónico inferior) e só afecta as zonas mais internas do orógeno.

A segunda fase é Westfaliana (Carbónico superior). Nas zonas internas origina dobras com plano axial subvertical. Nas zonas externas, só então deformadas, dá origem a dobras com um plano axial variável e a mantos superficiais.

Trata-se de uma classificação um tanto artificial, porque muitas vezes há sobreposição e continuidade entre as duas fases. Todavia, de um modo geral, pode dizer-se que tudo se passa como se houvesse uma migração da orogénese das zonas internas para as exteriores.

O metamorfismo regional afecta, sobretudo, as zonas internas. Por vezes, é difícil distingui-lo de fases metamórficas mais antigas.

A cadeia hercínica sofreu uma evolução quanto ao respectivo estilo tectónico: inicialmente dúctil, tornou-se cada vez mais quebradiço. Por isso, o fim da orogénese foi marcado por uma rede de desligamentos, sobretudo no sector SW. Estes desligamentos são ditos tardi-hercínicos porque são posteriores às últimas fases dúcteis do Westfaliano, mas não afectam significativamente a cobertura epi-hercínica.

Dum modo geral, podemos dizer que o alinhamento Córdova-Badajoz-Portalegre-Coimbra-Porto separa os sectores onde afloram fragmentos de um soco granítico datado de 2000-2500 MA e retomado no Cadomiano (650-550 MA).

Pelo contrário, no sector situado no interior (Zona Centro-Ibérica) não se encontra um soco granítico precâmbrico indiscutível, mas unicamente complexos de alto grau de metamorfismo, de composição máfica e ultramáfica (Maciços de Vinhais-Bragança, Morais, Lalín, Cabo Ortegal e Santiago de Compostela).

As causas desta diferenciação são objecto de discussão, mas foi sugerido que o dito alinhamento Córdova-Badajoz-Portalegre-Coimbra-Porto corresponderia à sutura da orogenia Cadomiana (Precâmbrico superior) e representaria a junção da Europa e da África no Precâmbrico superior.

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Porto, 17 Novembro de 2001

Maria da Assunção Araújo
 

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