No fundo, as marés
funcionam como ondas de baixa profundidade, já que apresentam
comprimentos de onda de milhares de kms e alturas que atingem os 15m.
As marés terrestres
são produzidas pela atracção gravitacional do Sol e da
Lua. Como é sabido, segundo a lei de Newton, essa atracção
é directamente proporcional às massas e inversamente proporcional
ao quadrado da distância. Porém, no processo gerador de
marés, a proporcionalidade refere-se ao cubo da distância
(Thurman, 1997).
Devido a esse facto e uma vez
que a Lua está estar muito mais próxima da terra que o Sol, a
força geradora das marés por parte do Sol é igual a 46% da
força da Lua (fig. 34).
A Terra e a Lua formam um
conjunto que gira em torno do Sol. Nesse movimento de translação
o conjunto Terra-Lua é representado pelo centro comum de gravidade, ou
baricentro. Este situa-se dentro do manto terrestre, a 4700 km de
distância do centro da terra (fig. 35).
É este baricentro que
descreve uma órbita elíptica em relação ao Sol
(fig. 36). Quer a Terra quer a lua descrevem órbitas mais complexas e
relativamente sinuosas.
Todos as partículas
pertencentes à Terra descrevem círculos de raios iguais, à
volta do baricentro (fig. 37).
A força
centrípeta requerida por todas as partículas da Terra para as
manter em rotação é igual em todos os pontos da Terra.
Porém, a força da gravidade exercida pela Lua varia consoante a
posição de cada ponto terrestre em relação à
Lua (fig. 38). Da subtracção dos vectores da força
centrípeta e da força gravitacional resulta um outro vector, em
azul na fig. 38, que corresponde à força das marés.
Deste modo, as forças de
maré tendem a empurrar a água para 2 bojos em lados opostos da
Terra, sendo que um deles se posiciona directamente sob a Lua (maré alta
directa, fig. 39) e o outro fica directamente oposto (maré alta
reflexa). Porém, de cada vez que a Lua passa pelo meridiano do lugar a
preia-mar, só se faz sentir um pouco mais tarde devido ao atrito das
massas (água e fundo) e à necessidade de vencer a inércia.
Pelo mesmo motivo, numa lua nova ou lua cheia a maré de maior amplitude
só ocorre algum tempo depois, período que pode ir até 36
horas e tem o nome de idade da maré.
Além disso, o intervalo
de tempo entre duas passagens da Lua pelo mesmo meridiano (dia lunar)
não coincide com o dia solar de 24 horas. Isto acontece porque, ao longo
de um dia solar a Lua gira 12° e 12’no seu movimento de
translação, em sentido directo. Por isso, para o observador
voltar à posição inicial relativamente à Lua,
é necessário que a Terra gire mais 12° e 12’, o que
corresponde aproximadamente a 50min (fig. 40).
Embora a força das
marés provocadas pelo Sol corresponda apenas a 46% da das marés
lunares, é evidente que a posição dos bojos solares, que
teoricamente, circulam pela hidrosfera independentemente dos bojos lunares,
acabam por interferir com as marés lunares, acentuando-as (marés
vivas) ou contrariando-as e diminuindo a respectiva amplitude (marés
mortas (fig. 42).
É dessa
interferência que resulta a existência de marés desiguais ao
longo de um mês lunar (fig. 43), sendo que as marés vivas
acontecem a cada Lua nova e a cada Lua cheia e as marés mortas acontecem
nos quartos crescente e minguante.
Uma vez que as amplitudes da
maré são maiores quando a Terra está mais próximo
do Sol ou da Lua, as variações na distância da Terra a cada
um deles acabam por interferir na amplitude das marés.
A figura 44 mostra como essas
distâncias podem variar.
Mas existem ainda outros
factores a ter em conta. O plano da órbita da Lua faz um ângulo de
5° com o plano da eclíptica. Significa isto que a Lua pode atingir
uma declinação máxima de 28,5° para Norte ou Sul do
Equador (23,5+5°). Como o plano da órbita da Lua sofre um movimento
de precessão com a duração de 18,6 anos, o resultado acaba
por produzir variações complexas, em que, por exemplo, a
declinação máxima da Lua pode atingir apenas 18,5° 9,3
anos depois do início do ciclo (fig. 46). Este ciclo deve ser tido em
conta para a avaliação das variações do
nível do mar.
À passagem pelo Sol no
plano do Equador corresponde uma maior aproximação entre os bojos
de maré solares e lunares, o que reforça a amplitude das
marés. Assim, as marés vivas equinociais são marés
particularmente fortes e este conceito tem consequências práticas,
por exemplo na definição de domínio público
marítimo, que, segundo a legislação, compreende:
“Faixa ao longo de toda a
costa marítima cuja largura é limitada pela linha da
máxima preia-mar de águas vivas equinociais e a
batimétrica dos 30m” (Dec-Lei 93/90, de 19 de Março).
Considerando o grande
número de variáveis a ter em conta, é interessante
considerar quais as condições que produziriam a maior
força de maré: a amplitude máxima da maré
deverá corresponder a uma situação da Terra em
perihélio, com a Lua em perigeu e em sizígia e quando o Sol e a
Lua tiverem declinação zero. Esta situação ocorre
apenas de 1600 em 1600 anos e a próxima acontecerá no ano 3300.
Se a Terra fosse uma esfera
coberta por um mar de profundidade uniforme, haveria 2 marés altas de
amplitudes diferentes em cada dia lunar, o que significa que teriam um
período de 12:25 minutos (metade do dia lunar). A maré mais
próxima da “ideal” pode, por isso, designar-se como
maré semidiurna.
A maré diurna tem apenas
uma maré alta e uma maré baixa cada dia. O período
é de 24h e 50min.
As marés mistas
correspondem a situações com algumas características de
marés semidiurnas e outras de marés diurnas. Muitas vezes
há duas marés altas e duas marés baixas em cada dia lunar,
mas as duas marés sucessivas têm alturas significativamente
diferentes. Estas desigualdades são maiores quando a Lua está
sobre os trópicos (marés tropicais, fig. 47), do que quando a lua
está sobre o equador (marés equatoriais).
Também pode haver alguns
dias ao longo de mês em que as marés têm um período
de 24h50min, tipicamente diurno (fig. 49).
A existência destes dois
últimos tipos de marés (diurnas e mistas) explica-se pelo facto
de a Terra ter uma superfície muito irregular, com continentes separando
oceanos de formas irregulares.
A existência de
marés diurnas ou semidiurnas tem uma grande importância na
definição do tempo de estacionamento do nível do mar nas
diferentes altitudes compreendidas entre os níveis das marés mais
baixas e mais altas.
Com efeito, no caso das
marés semi-diurnas é ao nível das marés altas e
baixas médias que o tempo de estacionamento é maior (fig. 50).
Nas marés de tipo diurno, o mar estaciona mais tempo perto do
nível médio.
A existência de certos
fenómenos meteorológicos (ciclones tropicais, depressões
subpolares muito cavadas) pode provocar, como vimos no capítulo
anterior, fenómenos do tipo storm surge. De
uma maneira geral, as variações da pressão
atmosférica traduzem-se sempre por variações no
nível do mar. Essas variações constam das tabelas das
marés e destinam-se a corrigir o nível calculado para as
marés por processos astronómicos. Assim, uma pressão 20cm
de mercúrio inferior ou superior à pressão normal de 760mm
traduzir-se-á num empolamento ou numa depressão da
superfície das águas de 27cm (tabelas das marés, APDL).
Estas alterações,
amplificadas pelo efeito de subida do nível do mar quando existe um
vento que se dirige do mar para a Terra (fig. 31) acabam por interferir com o
desenvolvimento das marés (fig. 51). Conhecida a amplitude esperada das
mesmas, calculada por processos astronómicos, é possível
saber qual a variação que fica a dever-se aos fenómenos
meteorológicos.
Os bojos formados pela
atracção da Lua situam-se na respectiva vertical (maré
alta directa) e do lado oposto da Terra (maré alta reflexa). À
medida que a Terra roda, o referido bojo, correspondente à onda de
maré desloca-se também no sentido directo (fig. 52).
O facto de os oceanos estarem
compartimentados em bacias faz com que a circulação das
marés se feche dentro de cada uma dessas bacias e se faça
à volta de um ponto central (o ponto anfidrómico), situado
aproximadamente no centro de cada bacia oceânica e em cada
hemisfério.
A maré pode ser vista,
assim, como uma onda em que as duas cristas estão separadas por 20.000
km (metade do diâmetro do Equador). Trata-se de ondas muito longas. Como
vimos no tema anterior, com uma profundidade abaixo de 1/20 do comprimento de
onda as ondas comportam-se como ondas de baixa profundidade, cuja velocidade
é determinada pela profundidade[1].
Como todas as ondas que se
aproximam de terra, a onda de maré sofre um aumento de altura à
medida que a profundidade diminui. Pelo contrário, em
direcção ao centro da bacia oceânica, a altura da onda de
maré diminui até se anular no ponto central, o chamado ponto
anfidrómico, onde todas as linhas cotidais (linhas que unem os pontos
onde a maré alta é simultânea) se cruzam (fig. 53).
Podem criar-se diversos pontos
anfidrómicos, sempre que as bacias oceânicas sofrem uma certa
compartimentação, como é o caso do mar do Norte, que
funciona como uma bacia independente do resto do Atlântico Norte (fig.
54).
As correntes de maré
seguem este padrão rotativo nas bacias oceânicas (fig. 55), mas
são convertidas em correntes alternantes nas margens dos continentes. A
velocidade máxima destas correntes acontece aquando da enchente e da
vazante, quando o nível da água está entre o nível
da maré alta e da maré baixa.
A diminuição de
profundidade e o carácter reentrante de algumas baías pode
provocar uma amplificação da maré, como no caso da
Baía de Fundy, onde a amplitude da maré atinge 17m.
O macaréu (fig. 56)
é uma onda de maré que força o seu caminho ao longo dos
rios. É comum em rios com o Amazonas, onde o fenómeno se designa
de Pororoca (que
significa grande estrondo em língua tupi).
Ocorre na
mudança das fases da Lua (2 dias antes, no dia e 3 após a Lua),
principalmente nos equinócios, mais intensamente nos períodos de
maré viva. O fenómeno começa quando as águas das
marés vindas do oceano chegam à desembocadura de um rio, formando
elevações que podem ter até dezenas de metros de
comprimento e que se movem rio acima com velocidade de 30 a 50 Km/h. O encontro
entre as águas provoca ondas que podem alcançar até 5m de
altura avançando rio adentro. Este choque das águas tem uma
força tão grande que é capaz de derrubar árvores e
modificar o leito do rio.
A esse respeito os litorais
podem classificar-se como micromareais (amplitude máxima inferior a 2m);
mesomareais (entre 2 e 4m) e macromareais (mais de 4m). As marés na
costa portuguesa são do tipo mesomareal, com amplitudes máximas
próximas dos 4 m (Agenda das marés, APDL).
A figura 57 mostra a
relação existente entre a amplitude das marés e os
diferentes tipos de paisagens litorais.
É curioso verificar que
os deltas e as ilhas barreira predominam em ambientes micromareais, enquanto
que os estuários em forma de funil e as planícies vasosas (mud
flats) predominam nos ambientes macromareais.
·
Análise das tabelas de
marés (APDL; Associação Nacional de Cruzeiros).
·
Construção de
gráficos (fig. 58) e sua interpretação.
APDL -
Administração dos Portos do Douro e Leixões, (2002)
– Agenda 2002
PETHICK, J. - (1984) - An Introduction To Coastal Geomorphology, London, Edward Arnold, 260 p.
PUGH, D. T. - (1987) - Tides, Surges And Mean Sea Level, John Wiley and Sons, Chichester, 472 p.
SANTOS, F. D, FORBES, K,
MOITA, R. (editores)
(2002) – Climate change in Portugal. Scenarios, impacts and adaptation
mesures (Siam project), Gradiva, F. C. Gulbenkian, FCT, Lisboa, 454 p.
THURMAN, H. V., (1997) - Introductory Oceanography, Prentice Hall, New Jersey, 544 p.
http://www.edinfor.pt/anc/ancfmares.html
http://www.hidrografico.pt/wwwbd/
http://www.geog.ouc.bc.ca/physgeog/contents/8r.html
http://www.surfway.com.br/link_interview/interview_pororoca.htm
Figura
34: Importância relativa das marés geradas pela Lua e pelo Sol
Figura
35: O sistema de rotação Terra-Lua. O baricentro
Figura
36. Trajectórias seguidas pela Terra e pela Lua ao longo do ano
Figura
37: Rotação Terra-Lua: todos os pontos da Terra descrevem
trajectórias idênticas em torno do baricentro. A força
centrípeta que mantém o sistema em rotação conjunta
é igual em todos os pontos da Terra.
Figura
38: A existência de forças gravitacionais diferentes consoanter a
posição de cada ponto em relação à Lua
implica a existência da força de maré
Figura
39: Maré alta directa e reflexa
Figura
40: Dia Lunar: ao longo de um dia solar a Lua gira 12° e 12’. Por
isso, para o observador voltar à posição inicial
relativamente à Lua, é necessário que a Terra gire mais
12° e 12’. Desta forma, o dia lunar tem 24h e 50min.
Figura
42: Marés vivas e mortas
Figura
43: Interferência entre as marés lunares e solares
Figura
44: Variação da distância da Terra ao Sol e da Terra
à Lua
Figura
45: Fases da Lua e variação da distância da Lua à
Terra e da declinação lunar (Março de 1981)
Figura
46: Variação da declinação da Lua: ciclo de 18,6
anos.
Figura
47: Variação na amplitude das marés durante o dia: as
marés tropicais
Figura
48: Variação da declinação solar ao longo do ano:
as marés equinociais
Figura
49: tipos de marés. Semidiurnas, mistas e diurnas
Figura
50: variações na altura da maré devidas a causas
meteorológicas: storm surge de 14-16 de Outubro de 1987 na costa
portuguesa
Figura
51: Permanência do nível do mar a diversas alturas. Caso de
marés semidiurnas e diurnas.
Figura
52: Propagação da onda de maré
Figura
53: Linhas cotidais e pontos anfidrómicos a nível do globo
Figura
54: Linhas cotidais no Atlântico
Figura
55: A propagação da maré ao longo da costa ocidental da
Península Ibérica
Figura
56: A penetração da maré ao longo de um estuário
(macaréu)
Figura
57: Relação entre a o tipo e a frequência de diversos tipos
de paisagens costeira e a amplitude das marés
Figura 58:
Gráfico das marés para Lisboa. Outubro de 2000
[1] Neste caso, a profundidade limite é de 1000 km, muitíssimo superior à profundidade das bacias oceânicas que se situa entre 4-5km.