Aula 3: Ondas[1]

Como se deslocam as ondas: características gerais dos processos ondulatórios

O movimento mais evidente da superfície do Oceano é o das ondas.

Os fenómenos ondulatórios transmitem energia através da matéria. As partículas materiais apenas giram ou oscilam para a frente e para trás, ou para cima e para baixo, transmitindo energia de uma partícula a outra. Efectivamente, quando batemos numa mesa, as ondas sonoras viajam através dela, mas a mesa propriamente dita não se movimenta.

Existem 3 tipos fundamentais de movimentos ondulatórios (fig. 17):

Nas ondas longitudinais, tal como nas ondas sonoras, as partículas movimentam-se para a frente e para trás na mesma direcção da propagação da energia, tal como uma mola, alternadamente distendida e comprimida. A energia pode ser transmitida em todos os estados da matéria (sólido, líquido e gasoso) através deste movimento longitudinal das partículas.

Nas ondas transversais a energia viaja na perpendicular da direcção de vibração das partículas. Este tipo de movimento transmite-se apenas nos sólidos.

As ondas que transmitem energia ao longo da interface entre 2 fluidos de densidades diferentes têm um movimento que combina o das ondas longitudinais e transversais. O caso mais típico é o da interface atmosfera/oceano. As partículas movem-se em trajectórias circulares. Daí o nome de ondas orbitais.

Características das ondas

Uma onda ideal (fig. 18) apresenta partes altas (cristas ) e baixas (cavas). A diferença de altitude entre cristas e cavas é a altura da onda (H). A distância horizontal entre 2 pontos homólogos consecutivos é o comprimento de onda (L). A relação entre comprimento e altura chama-se declive da onda (H/L). O tempo que demora a passar uma onda completa é o período (T) da onda. Frequência (f) é o número de cristas que passa num dado ponto num minuto. É igual a 60/T.

A figura 19 mostra as relações entre comprimento de onda, período e velocidade das ondas quando em águas profundas. Através do gráfico, sabendo um dos elementos característicos da onda é possível saber os outros. Assim, uma onda com um período de 8 segundos terá um comprimento de onda de 100m e uma frequência de 7,5/minuto. A velocidade será 100X7,5, isto é: 750m por minuto ou 12,5 m por segundo.

As órbitas circulares das partículas de água têm um diâmetro igual à altura da onda. Quando uma partícula está na crista da onda, move-se no mesmo sentido da propagação da energia. Quando está na cava, move-se no sentido inverso. Os diâmetros das órbitas das partículas diminuem com a profundidade abaixo do nível da água parada (nível médio entre a crista e cava), até que a movimentação das partículas numa onda ideal cessa completamente a uma profundidade igual a metade do comprimento de onda (L/2). No caso da onda marcada a vermelho na figura 19, os movimentos cessariam a 50m de profundidade.

·      Ondas de águas profundas. As ondas que ocorrem quando a profundidade é maior que metade do comprimento de onda chamam-se ondas de águas profundas (fig. 21). Não são afectadas pelos fundos oceânicos.

·      Ondas de águas baixas (shallow water waves). São ondas cuja profundidade é inferior a 1/20 do comprimento de onda. No caso da onda da figura 19, isso corresponderia a profundidades inferiores a 5m. Incluem-se nesta categoria as ondas geradas pelo vento quando se aproximam da linha de costa (fig. 20), os tsunami e as ondas de maré geradas pela atracção do Sol e da Lua. A sua velocidade aumenta com a profundidade. A movimentação das partículas em águas pouco profundas é uma órbita elíptica muito achatada que se aproxima da oscilação horizontal (fig. 21). Esse movimento oscilatório pode, por isso, afectar o fundo do mar.

·      Ondas de transição. As ondas de transição acontecem quando a profundidade é inferior a metade do comprimento de onda mas maior que 1/20 do comp. de onda. No caso da onda da figura 19, entre 50 e 5 m de profundidade. A sua velocidade é controlada em parte pelo comprimento de onda e em parte pela profundidade.

Ondas geradas pelos ventos

Quando o vento sopra, as tensões por ele criadas (fig. 22) deformam a superfície do oceano sob a forma de pequenas ondas com cristas arredondadas e cavas em forma de "V" e com comprimentos de onda muito curtos, inferiores a 1,74 cm. Chamam-se rídulas (ripples) e a tensão superficial da água tem tendência a destruí-las, restaurando a superfície lisa da água (fig. 23, parte esquerda).

À medida que estas ondas se desenvolvem, a superfície do mar ganha um aspecto irregular, o que permite uma maior exposição ao vento e uma maior transferência da energia do vento para as águas. Quando essa energia aumenta desenvolvem-se ondas de gravidade. Estas têm comprimentos de onda superiores a 1,74 cm e uma forma sinusoidal (fig. 23, parte média).Uma vez que atingem uma maior altura, a gravidade torna-se a principal força de restauração da superfície, daí o nome de ondas de gravidade.

Se a energia que lhes é fornecida aumentar, a altura da onda aumenta mais do que o comprimento. Assim, as cristas tornam-se ponteagudas e as cavas arredondadas (fig. 23, direita).

A energia do vento faz aumentar a altura, comprimento de onda e velocidade das ondas. Mas quando a velocidade das ondas iguala a dos ventos, já não é adicionada mais energia à onda, que atinge então a sua maior dimensão. A zona de origem das ondas (em inglês designa-se como "sea") é caracterizada por uma superfície eriçada por ondas de pequeno comprimento de onda, com ondas movendo-se em várias direcções e com diferentes períodos e comprimentos de onda (fig. 24). Este facto deve-se à acentuada variação da direcção e velocidade do vento.

Outros factores que condicionam a energia das ondas são a duração do impulso do vento numa dada direcção e fetch (distância em que o vento sopra na mesma direcção).

Swell

Quando as ondas se aproximam das margens oceânicas, onde a velocidade do vento diminui, elas podem viajar mais depressa que o vento.

Nessa altura o declive da onda diminui e elas transformam-se em ondas com longas cristas designadas como “swell”. O swell pode deslocar-se ao longo de grandes distâncias sem perda significativa de energia. Sistemas de ondulação originados na Antártida foram encontrados a quebrar no Alaska, depois de viajar mais de 10.000 km. As ondas com maior comprimento de onda serão aquelas que viajam mais depressa, porque, em águas profundas, a velocidade é função do comprimento de onda (fig. 19).

Padrões de Interferência

Porque o swell de diversas tempestades coexiste no oceano, é inevitável que venham a colidir e interferir uns com os outros. Isso cria padrões de interferência. Trata-se da soma algébrica da movimentação que cada uma delas produziria de per si. Quando os sistemas de ondas de 2 áreas de origem colidem, o resultado pode ser construtivo, destrutivo, e mais frequentemente, misto.

A interferência construtiva acontece quando ondulações com o mesmo comprimento de onda se encontram em fase, o que significa que as cristas e as cavas coincidem. A onda resultante terá o mesmo comprimento de onda e uma altura que será a soma das alturas individuais (fig. 25, esquerda).

A interferência destrutiva acontece quando as cristas de um sistema coincidem com as cavas de outro. Se os sistemas de ondulação têm características semelhantes, a soma algébrica será zero, e a energia de um será cancelada pela do outro.

Porém, é mais provável que haja ondas de diversos comprimentos e alturas em cada sistema e por isso, que se desenvolva uma interferência mista. É por isso que, os sistemas de ondulação que chegam à costa geralmente têm padrões irregulares com sequências de ondas altas e baixas (fig. 25, direita).

Ondas livres e forçadas

As ondas forçadas são mantidas pelo vento, de tal forma que as suas características estão adaptadas a ele.

Nas ondas livres a movimentação dá-se de acordo com os ventos na área de origem mas não existe uma força que as mantenha em movimento. Mesmo na área de origem, existe uma mistura entre ondas livres e forçadas. Além disso, dado que o vento é variável, há sempre vários sistemas de ondas criados em cada área de origem.

Ondas traiçoeiras (Rogue Waves)

Um dos mistérios dos oceanos são as causas das ondas traiçoeiras, ondas maciças que podem atingir o equivalente a 10 andares de altura (cerca de 30m!). Resultam de raras coincidências num comportamento normal das ondas. No oceano aberto, uma onda em cada 23 terá mais do dobro da altura média. Uma em 1175 terá uma altura 3 vezes maior e uma em 300,000, quatro vezes maior. As hipóteses de ondas realmente monstruosas são raras (uma em biliões) mas acontecem!

O total de barcos de vários tamanhos perdidos durante um ano é de cerca de 1000! Muitos deles são vítimas destas ondas. Provavelmente elas são devidas a uma interferência construtiva extraordinária. São mais frequentes a sotamar de ilhas ou baixios e onde ondas de tempestade chocam contra fortes correntes marítimas tal como a corrente das Agulhas na costa SE de África onde as ondas de tempestade deslocando-se para NE chocam com a corrente das Agulhas, vinda de NE. Este é provavelmente o sítio da terra onde se regista o maior número de naufrágios.

Rebentação (Surf)

Quando a profundidade é inferior a 1/20 do comprimento de onda as ondas começam a comportar-se como ondas de pequena profundidade. A movimentação das partículas é muito retardada pela acção do fundo e existe um significativo transporte de água em direcção à linha de costa (fig. 20).

O fundo marinho, a baixa profundidade, interfere com o movimento das partículas na base da onda, atrasando-a. Por isso, há uma espécie de compressão d as cristas das ondas, o que reduz o respectivo comprimento de onda. Esse facto é compensado por um aumento da altura.

As cristas tornam-se estreitas e ponteagudas e as cavas tornam-se curvas largas, tal como nas ondas de alta energia do mar aberto. O aumento da altura acompanhado de diminuição do comprimento de onda aumenta o declive da onda (H/L). Quando este atinge 1/7, a onda quebra (fig. 20).

A vaga mais vulgar é a vaga por derramamento (spilling breaker, fig. 26). Esta resulta de um declive relativamente suave do fundo, que extrai energia mais gradualmente da onda, produzindo uma massa turbulenta de ar e água que escorre na frente da onda em vez de encaracolar no topo.

Nas vagas em voluta a crista da onda adianta-se muito em relação à sua base e desaba por falta de apoio. Estas vagas em voluta formam-se em praias com um declive moderado (fig. 26).

Se o declive da praia e a altura da onda foram muito acentuados, a onda quebra sobre a forma de grandes rolos ou vagalhões (surging breakers, fig. 26). É o que acontece com as vagas de tempestade (Moreira, M.ES.A, 1984).

Refracção das ondas

As ondas começam a arquear-se e os comprimentos de onda a tornarem-se mais curtos quando os sistemas de ondulação "sentem o fundo" ao aproximar-se da linha de costa.

É raro que o ângulo de aproximação à praia seja exactamente 90°. Por isso, alguns sectores começarão a "sentir o fundo" mais cedo e atrasar-se-ão em relação ao resto da onda. Disso resulta uma curvatura da frente da onda que se designa como refracção da onda (fig. 27-A).

Na figura 27-B, vemos como uma topografia de fundo irregular atrasa certas partes da onda que se aproxima da costa.

A refracção distribui energia de uma forma desigual na praia. Se construirmos linhas perpendiculares à frente das ondas, e as espaçarmos de modo que a energia nesses sectores seja sempre igual, obtemos linhas ortogonais (fig. 27-B) que nos ajudam a compreender como a energia das vagas se distribui. As ortogonais convergem nos promontórios e divergem nas baías. Por isso a energia e a erosão será maior nos promontórios e mais dispersa nas baías, onde pode ocorrer acumulação de areias. A maior energia nos promontórios é demonstrada pela existência de ondas mais altas.

Difracção das ondas

A difracção pode definir-se como um encurvar das ondas à volta de objectos. Permite que a ondulação penetre nos portos e por detrás de barreiras (fig. 28). A difracção acontece porque qualquer ponto de uma onda pode ser uma fonte a partir da qual a energia se propaga em todas as direcções.

Reflexão das ondas

Nem toda a energia das ondas é consumida quando elas esbarram contra a linha de costa. Uma parede vertical, tal como um molhe, pode reflectir a ondulação de volta para o oceano, com pouca perda de energia (fig. 29). A reflexão das ondas nas barreiras costeiras ocorre segundo um ângulo igual ao ângulo de incidência.

Nas condições de ondas perpendiculares ao obstáculo, a reflexão produz ondas estacionárias (fig. 30). Estas resultam de duas ondas do mesmo comprimento que se movimentam em direcções opostas. As partículas continuam a mover-se na horizontal e na vertical, mas não existe o movimento circular que se vê numa onda progressiva. Estas ondas são caracterizadas pela existência de linhas ao longo das quais não existe movimento vertical (linhas nodais). Nos antinodos há uma alternância entre subidas e descidas e a movimentação é inteiramente vertical.

A altura da onda estacionária teoricamente pode atingir o dobro da altura da onda incidente, o que pode traduzir-se em problemas na estabilidade dos navios junto aos cais de acostagem.

Storm Surge

Os centros de baixa pressão são acompanhados por um empolamento da superfície da água, que acompanha o movimento da depressão. Quando a tempestade se aproxima da costa a parte desse empolamento onde os ventos se dirigem para o lado da terra (fig. 31) produz uma subida do nível do mar afectando a linha de costa. As storm surges podem ser altamente destrutivas nas costas baixas sobretudo se coincidirem com uma maré alta.

Tsunami

Os japoneses chamam às grandes ondas destrutivas que ocasionalmente penetram nos seus portos, tsunami, ou "ondas de porto". Trata-se de ondas que têm origem nos sismos, por vezes impropriamente chamadas "tidal waves," o que, a ser uma designação correcta, implicaria uma falsa relação com as marés.

Os tsunami são criados pela movimentação de falhas. Isto origina sismos e também mudanças bruscas no nível da água à superfície do mar. Eventos secundários tais como avalanches submarinas produzidas pelo jogo das falhas, ou destacamento de icebergs dos inlandsis e sua queda no mar também podem originar tsunami (fig. 32).

Uma vez que o comprimento de onda dos tsunami excede 200 km trata-se, necessariamente, de ondas que se comportam como sendo de águas pouco profundas. Por isso, a sua velocidade é sempre determinada pela profundidade da água.

No mar aberto movem-se a velocidades superiores a 700 k/h, com alturas de 0,5m. Por isso, passam facilmente desapercebidos. Porém, em águas pouco profundas, tornam-se mais lentos e a água começa a acumular-se contra a linha de costa, podendo ultrapassar 30m de altura e entrando nos portos com efeitos destruidores.

Um tsunami pode ter uma onda única, mas a libertação da energia sísmica geralmente origina várias ondas.

O Oceano Pacífico é aquele que é mais sujeito a tsunami, porque se situa numa área particularmente instável (anel de fogo do Pacífico), com sismos violentos frequentes.

Em 27 de Agosto de 1883, a ilha volcânica de Krakatoa (hoje Indonésia) explodiu e quase desapareceu. Originou-se um tsunami com mais de 30m que matou mais de 36000 pessoas. A energia desta onda chegou até às Ilhas Britânicas. Nestas circunstâncias os barcos devem fugir dos portos e sair para ao mar alto, ao contrário do que deve fazer aquando dos ciclones.

Será referida, também, a importância do tsunami que se seguiu ao sismo de Lisboa de 1755 (fig. 33).

Aula Prática

Observação da fotos aéreas seleccionadas para identificar padrões de reflexão refracção e difracção das ondas.

Pesquisa no site:

·      http://www.hidrografico.pt/wwwbd/

 Instituto hidrográfico: Rumos e períodos de ondulação. Casos de storm surges e suas consequências no nível atingido pelo mar.

Bibliografia

KOMAR, P. D., (1998) - Beach Processes and Sedimentation, Prentice Hall, New Jersey, 543 p.

MOREIRA, M. E. S. A., (1984) - Glossário de termos usados em Geomorfologia litoral, Centro de Estudos Geográficos, Linha de acção de Geografia das Regiões Tropicais, relat. nº 15, Lisboa, 167 p.

THURMAN, H. V., (1997) - Introductory Oceanography, Prentice Hall, New Jersey, 544 p.

Figura 17: Tipos de ondas

Figura 18: Características essenciais das ondas orbitais

Figura 19: Relações entre o comprimento de onda, o período e a velocidade das ondas

Figura 20: Modificações sofridas pelas ondas quando se aproximam da linha de costa

Figura 21: Ondas de águas profundas, intermédias e pouco profundas

 

Figura 22: A transmissão da energia do vento para as ondas

Figura 23: Ondas de capilaridade e de gravidade

Figura 24: Área de origem da ondulação e Swell

Figura 25: Interferência de ondas

Figura 26: Vagas por derramamento, em voluta e em rolo (surging)

Figura 27-A: A refracção das ondas quando se aproximam da costa


Figura 27-B: Refracção das ondas

Figura 28: Reflexão das ondas

Figura 29: Difracção das ondas

Figura 30: Ondas estacionárias

Figura 31: Storm surge

Figura 32: Processo de criação dos tsunami

Figura 33: O tsunami que se seguiu ao sismo de Lisboa de 1755



[1] Convém recordar que as marés também são um fenómeno ondulatório. Por isso, as ondas deverão aparecer no programa antes das marés, para permitir aos estudantes uma reflexão sobre os movimentos ondulatórios que permita compreender melhor o fenómeno das marés.