Aula 2: Origem e características da água do mar. As correntes marítimas

Origem e características da água do mar

Uma brevíssima apresentação da evolução da Terra permitirá aos estudantes enquadrar a origem e evolução da hidrosfera e também da salinidade da água do mar, vista como um produto da lixivização substâncias solúveis dos solos e dos alteritos existentes nos continentes, processo que está em acção desde que as primeiras chuvas começaram a cair sobre a crusta primitiva e que se desenrolou ao longo de muitos milhões de anos. Com efeito, a água do mar atingiu a sua salinidade actual apenas há cerca de 700 milhões de anos (A. N. Strahler, 1987).

A água é praticamente um solvente universal – da estrutura molecular da água derivem muitas das suas propriedades, sem as quais a vida não seria possível, na Terra.

A molécula de água tem uma estrutura ligeiramente dipolar.

Deste modo, a água consegue quebrar as ligações iónicas existentes nas moléculas de variadíssimas substâncias, o que se traduz na respectiva dissolução. O cloreto de sódio poderá ser invocado como exemplo (fig. 6).

A figura 7 permitirá uma análise da penetração das radiações luminosas na água, ajudando a explicar a cor azul/verde dos oceanos e o rápido absorção da energia incidente com a profundidade. Com efeito, a 1 m de profundidade, apenas 45% da energia incidente continua disponível.

Distribuição da temperatura e salinidade da água do mar à superfície e em profundidade.

A análise da figura 8 permite ter uma ideia da variação da temperatura, da salinidade e da densidade da água do mar consoante a latitude e introduzir os conceitos de termoclina, haloclina e picnoclina.

O balanço da radiação e a circulação geral da atmosfera.

Parece-nos importante lembrar a existência de áreas de excesso de energia e deficit energético (fig. 9) e a forma como essa situação evolui ao longo do ano. Basicamente, é desse balanço energético que decorre a circulação atmosférica. A circulação marinha complementa a circulação atmosférica, mas, dada a maior viscosidade da água, tem um tempo de resposta muito diferente. Deste modo, a circulação marinha pode colaborar no controle de mecanismos de oscilações climáticas de período relativamente longo.

A circulação geral da atmosfera e as correntes marítimas

Uma breve referência à circulação geral da atmosfera permitirá recordar a disposição dos principais centro de acção e os ventos daí decorrentes. Daí partir-se-á para a análise de um mapa com as principais correntes definindo quais as correntes quentes e frias. O mapa apresentado, extraído do Atlas Hachette de 2002 (figura 10), tem a particularidade de representar os principais climas a nível mundial e também os locais onde se faz sentir o fenómeno de upwelling.

As correntes e os ventos: a espiral de Ekman

A análise da figura 11 permitirá recordar o efeito de Coriolis e referir que, entre a direcção dos ventos e as correntes marítimas por eles induzidas existe um ângulo de cerca de 45° à superfície que vai aumentando em profundidade, à medida que o atrito entre as partículas de água aumenta também. A partir daí é possível introduzir o conceito de espiral de Ekman.

Estrutura vertical dos oceanos e circulação termo-halina

A figura 8 mostra a variação da temperatura, salinidade e densidade da água do mar com a profundidade. De um modo geral as águas são mais quentes e menos salgadas à superfície do que em profundidade. Exceptua-se o caso das regiões próximas dos pólos onde a temperatura em superfície e em profundidade é quase idêntica (e baixa) e onde as águas de superfície, devido à fusão dos gelos, é menos salgada do que em profundidade. As águas de superfície são geralmente bem misturadas e relativamente homogéneas até 100m de profundidade. Depois, a densidade aumenta rapidamente entre 100 e 500m (picnoclina, fig. 8). Abaixo dessa profundidade, o aumento da densidade torna-se muito lento (J. Riser, 1999).

Porém, quando a densidade das águas de superfície aumenta, devido, por exemplo, à mistura das águas quentes e salgadas da corrente do Golfo com as águas frias e pouco salgadas do oceano Árctico, isso acaba por produzir uma massa de água fria e salgada, e por isso bastante densa, que desce para áreas mais profundas e daí se escoa ao longo da vertente ocidental da dorsal do Atlântico, até se juntar à circulação profunda que rodeia a Antárctida (fig. 12).

As correntes marítimas e a dissimetria das fachadas oceânicas

Na figura 10 é possível observar a oposição existente entre as fachadas ocidentais e orientais dos vários continentes quer nas latitudes temperadas quer nas latitudes tropicais. Relativamente ás latitudes temperadas é de referir, nomeadamente, o contraste entre o clima de Washington e Lisboa (S. Daveau, 1995).

É de salientar, também, o contraste existente entre os climas da costa ocidental de África e da costa oriental do mesmo continente. A respectiva análise será ilustrada a partir d o nosso conhecimento pessoal de Angola e de Moçambique, com alguns documentos fotográficos e gráficos termo-pluviométricos pertinentes.

Será referida a forma como a circulação atmosférica e as correntes marítimas contribuem para a criação da referida dissimetria das fachadas oceânicas.

O papel das correntes marítimas na regulação térmica terrestre. A importância da circulação oceânica nas variações climáticas

A dissimetria climática existente entre os desertos periglaciares canadianos e as regiões agrícolas e florestais do sul da Escandinávia, situadas à mesma latitude de 60°N demonstra que a extremidade árctica da corrente do Golfo é a zona de dissipação de calor mais importante do planeta.

Por isso, é aí que a interacção entre os fenómenos atmosféricos, glaciares e oceânicos é mais directa (J. Riser, 1999). Deste modo, qualquer alteração na corrente do Golfo terá, obviamente, consequências decisivas ao nível planetário. O mesmo terá acontecido, como é óbvio, durante o Quaternário.

O circuito que se observa na figura 12 designa-se, muitas vezes, como conveyor belt (correia transportadora) e tem uma importância crucial na regulação climática da Terra.

Mecanismo e importância do upwelling.

A figura 13 permite verificar o ângulo existente entre os ventos e as correntes por eles provocadas ao mesmo tempo ajuda a compreender a razão do fenómeno de upwelling.

Com efeito, a existência de correntes que afastam as águas do continente (caso, por exemplo das correntes das Canárias e de Benguela) tem, forçosamente, que provocar uma alimentação em água profunda.

Sendo as águas frias e profundas ricas em nutrientes, os locais onde se verificam fenómenos de upwelling correspondem, geralmente, a faixas litorais muito ricas em peixe. É o caso da costa de Marrocos e da Mauritânia, mas também da costa sul de Angola e, sobretudo, da costa ocidental da América do Sul, banhada pela corrente de Humboldt.

Alguns aspectos da circulação marítima na costa portuguesa

Embora com menor intensidade, o fenómeno de upwelling também acontece na costa portuguesa, durante o verão.

O desvio para a direita, devido ao efeito de Coriolis, da corrente originada pela nortada produz uma corrente de Este para Oeste, obrigando à ascensão de águas frias e profundas para compensar o movimento das águas superficiais para o largo.

A figura 14 documenta 3 situações de upwelling na costa ocidental da Península Ibérica e tem o interesse adicional de permitir detectar a influência dos acidentes costeiros neste fenómeno.

Também em Portugal a existência do upwelling tem uma grande importância no rendimento das pescas, nomeadamente na da sardinha (C. S. Reis et. al., 2002).

Durante o inverno, a existência de ventos de componente sul pode produzir uma corrente que se desloca de sul para norte ao longo da costa (fig. 15).

A forte descarga de águas dos rios, nomeadamente do Douro, quando em situação de cheia pode provocar um efeito semelhante ao que se observa na figura 16 (corrente de Davidson): impulsionada pelos ventos de sul e pelo efeito de Coriolis a pluma das águas dos rios pode ser arrastada para norte. Pensamos que este efeito poderá estar na origem do aparecimento de cadáveres do desastre da ponte de Entre-os-Rios tão longe como a enseada de Cariño, a leste do cabo Ortegal.

Aula prática:

A abundante documentação encontrada em C. S. Reis et. al., no capítulo intitulado Fisheries do volume de F. D. Santos, Forbes, e Moita, (2002), permitirá estudar a importância do upwelling na pesca, nomeadamente na da sardinha.

Um outro tema muito interessante e actual poderá ser a análise do fenómeno designado por El Niño. Para essa hipótese existe documentação em Summerhayes e Thorpe (1998) e em diversos sites na Internet, entre os quais sugerimos:

http://www.nautigalia.com/elninoylanina/index3.htm

Este assunto permite compreender um pouco melhor as complexas interacções entre a atmosfera e a hidrosfera a nível global, e permite também, lançar uma ponte para a discussão de temas como as oscilações e mudanças climáticas.

A análise levada a cabo por B. Lomborg (2002) poderá ser invocada a este respeito. Com efeito, o fenómeno El Niño não terá existido durante o Holoceno médio (8000-5000 anos BP) quando o clima global e regional era 1-2°C mais quente do que na actualidade.

Deste modo, parece que o aquecimento não tem uma correlação imediata com o El Niño e a existência de fortes “El Niño” não deverá ser invocada como prova de uma aquecimento global.

Bibliografia utilizada

ANDERSEN, B. G.; BORNS, H. W. JR., (1994) - The Ice Age World, Scandinavian University Press, Oslo, 208 p.

LOMBORG, B., (2002) – The skeptical environmentalist- measuring the real state of the World, Cambridge Univ. Press, 515 p.

DAVEAU, S., (1995) - Portugal Geográfico, ed. João Sá da Costa, Lisboa, , 223 p.

HACHETTE MULTIMEDIA (2002) – Atlas Mondial. Ed. CD Rom, v. 6.1

OPEN UNIVERSITY, (2001) - Ocean Circulation, The Open University, Butterworth Heineman, Grupo Elsevier, Boston, 286 p.

RIBEIRO, O., LAUTENSACH, H., DAVEAU, S., (1987) - Geografia de Portugal. I. A posição ge­ográfica e o território, Lisboa, Ed. Sá da Costa, 1987, 334 p.

RISER, JEAN, (1999) - Le Quaternaire; Géologie et Milieux Naturels, Dunod, Paris, 320 p.

SANTOS, F. D, FORBES, K, MOITA, R. (editores) (2002) – Climate change in Portugal. Scenarios, impacts and adaptation mesures (Siam project), Gradiva, F. C. Gulbenkian, FCT, Lisboa, 454 p.

STRAHLER, A. N., (1987) Geología Física, Ed. Omega, Barcelona, 629, p.

SUMMERHAYES, C. P., THORPE, S. A. (1998) – Oceanography. An Illustrated guide, Mason Publishing, Southampton Oceanography Centre, 352 p.

THURMAN, H. V., (1997) - Introductory Oceanography, Prentice Hall, New Jersey, 544 p.

Web sites

http://www.nautigalia.com/elninoylanina/index3.htm

Figura: 6: Estrutura dipolar da molécula de água. Ligações iónicas e covalentes

Figura 7: A penetração da energia solar na água do mar

Figura 8: Variação da temperatura, salinidade e densidade da água com a latitude e a profundidade

Figura 9: Balanço energético de Janeiro e Julho


Figura 10: Correntes quentes e frias e áreas de upwelling


 

Figura 11: Direcção dos ventos versus direcção das correntes marítimas. A espiral de Ekman

Figura 12: A circulação em superfície e em profundidade. Conveyor belt

Figura 13: Relação entre a direcção dos alíseos e as correntes por eles geradas. O upwelling.

Figura 14: Exemplos de situações de upwelling na costa ocidental da Península Ibérica. Adaptado de O. Ribeiro, H. Lautensach e S. Daveau, vol. I, 1987

Figura 15: Circulação ao longo da costa portuguesa em Agosto, Novembro e Dezembro

Figura 16: Corrente de Davidson ao largo da costa da Califórnia