II Jornadas do Quaternário da APEQ; Porto, FLUP, 12-13 Outubro de 2000
 

DINÂMICA GEOMORFOLÓGICA DO VALE DA RIBEIRA DE TOLEDO

(VIMEIRO - LOURINHÃ)

Jorge Trindade
Ana Ramos Pereira
Cristina Araújo

Enquadramento do vale da Riba. de Toledo
O vale da Ribeira de Toledo, localiza-se na Estremadura portuguesa e tem a sua confluência com o Rio Alcabrichel a cerca de 5 km a sul da Lourinhã e a 3 km da linha de costa (Porto Novo). A Ribeira de Toledo tem um comprimento de ?4km e uma bacia hidrográfica com cerca de 9km2.

Trata-se de uma área onde a plataforma litoral culmina a cerca de 160m e onde é possível distinguir uma série de outros níveis, os mais baixos dos quais na dependência do entalhe da rede hidrográfica. O substrato é constituída essencialmente por afloramentos detríticos de idade jurássica, nomeadamente arenitos do Titoniano (Manuppella et al, 1999), deformados pelo empolamento diapírico de Maceira. Esta estrutura faz parte de um alinhamento mais vasto que se estende desde as Caldas da Rainha até Sta. Cruz e cuja continuidade é assegurada pelo acidente Lourinhã - Vimeiro.

Este troço litoral, dissecado pela rede hidrográfica do Rio Alcabrichel e afluentes, é uma área muito complexa do ponto de vista tectónico, porque aí se conjugam a tectónica global (compressão cenozóica) e a tectónica regional, derivada da dinâmica argilocinética. Este arranjo estrutural, associado a alguma diversidade litológica (formação das Margas de Dagorda, que afloram no centro do diapiro de Maceira, marginada por calcários compactos do Kimiridjiano, para além das formações detríticas, já referenciadas), conferem diversidade e riqueza às formas de relevo. Aqui se combinam formas estruturais, sub-estruturais e puramente erosivas. As formas estruturais existentes são as derivadas da dinâmica tectónica (escarpas de falha e escarpas de linha de falha). As formas subestruturais relacionam-se especialmente com o flanco sudeste do empolamento diapírico, tendo o encaixe da rede hidrográfica ortoclinal proporcionado o desenvolvimento de costeiras com reverso subestrutural (nesta situação se enquadra o vale da ribeira de Toledo). As formas erosivas relacionam-se com os níveis da plataforma e com o entalhe progressivo da rede hidrográfica. Este permitiu o desenvolvimento de terraços ao longo de todos os vales, os mais baixos dos quais possuem depósitos de cascalheiras.

A rede hidrográfica assume um papel particular na dissecação dos níveis de aplanamento, mas ao adaptar-se às áreas de fragilidade tectónica e aos afloramentos de rochas relativamente brandas, como as Margas de Dagorda, é responsável pelo esvaziamento dos núcleos anticlinais em rocha branda, criando uma inversão de relevo. É disso exemplo a bacia da Colheirinha e o sector terminal do vale da Riba. de Ribamar.

A presença de diversos níveis na plataforma litoral, bem como os associados ao entalhe progressivo da rede hidrográfica, sugere tratar-se de uma área submetida ao levantamento tectónico durante o Quaternário. A este movimento devem ainda acrescentar-se as variações do nível do mar.

O vale da Riba. de Toledo
Para ilustrar parte da complexidade geomorfológica desta área, escolheu-se o vale da Riba. de Toledo, no flanco SE do referido empolamento diapírico, onde estão presentes diversos níveis de terraço, o mais baixo dos quais teve ocupação pré histórica holocénica (Cristina Araújo, 1998), fossilizada por material coluvionar. O estudo detalhado do vale da Ribª. de Toledo (ainda em curso), que contou com um levantamento de pormenor à escala 1:2000, evidenciou tratar-se de um vale de ângulo de falha (demonstrado pela diferente inclinação das camadas do arenito titoniano no fundo de vale e na margem esquerda), fortemente dissimétrico pelo comando (cerca de 110m na vertente direita e apenas 70m na vertente esquerda), comprimento e forma das vertentes.

A análise pormenorizada da forma do vale evidencia 3 claros episódios de entalhe e estabilidade na Riba. de Toledo. A rechã onde se encontra a estação arqueológica corresponde ao penúltimo entalhe que domina a planície aluvial de cerca de 20m. A análise do corte no sítio arqueológico revelou a seguinte sequência da base para o topo:

  • arenito fino amarelado a esbranquiçado, coerente e com nódulos de calcário de idade titoniana, cuja sua superfície está truncada por um nível erosivo;
  • depósito descontínuo e abarrancado, idêntico ao subjacente, mas sem coerência e com conchas inteiras de lamejinha (Scrobicularia plana) e escassa indústria lítica em sílex;
  • sedimento areno — argiloso de cor cinzenta com estruturas de combustão e conchas, tornando-se pedregoso para o topo; corresponde ao horizonte de concheiro; do ponto de vista arqueológico pode distinguir-se uma parte inferior com menos conchas e sem estruturas de combustão; a constituição deste sedimento sugere tratar-se de um depósito de vertente;
  • sedimento argilo — arenoso castanho — acinzentado que abarranca o anterior; trata-se de um novo depósito de vertente que selou o horizonte arqueológico;
  • sedimento argilo — arenoso castanho claro que corresponde ao depósito de vertente remexido pelas práticas agrícolas.

  • No que respeita aos achados arqueológicos foram obtidas datações radiométricas (Araújo, C 1998) apenas para o horizonte 3, fornecendo as seguintes referências cronológicas (quadro I):
    Quadro I — Datações radiométricas obtidas para o sítio arqueológico de Toledo (adaptado de Araújo, 1998).*Data corrigida com base na idade aparente das conchas estuarinas que é de 380± 30 (Soares, 1993)
    Sítio
    Tipo de amostra
    Período
    Nº de laboratório
    Anos BP
    Data corrigida*
    Toledo
    Osso
    Boreal
    TO-707
    7800± 110
    -
    Toledo
    C. edule
    Boreal
    ICEN-1529
    9200± 70
    8820± 80
    Toledo
    C. edule
    Boreal
    ICEN-1533
    9120± 80
    8740± 90

    As primeiras conclusões

    Os dados até agora disponíveis permitem afirmar:

  • que há condicionamento tectónico no traçado da rede hidrográfica, para além dos grandes acidentes cartografados no mapa geológico;
  • que a dissimetria de alguns vales se deve essencialmente à disposição geral das camadas;
  • que se reconhecem claramente pelo menos três níveis de entalhe da rede hidrográfica, correspondentes a outros tantos episódios de estabilidade tectónica e/ou do nível do mar, cuja idade só o estudo regional permitirá propôr;
  • que o nível anterior à planície aluvial actual, terraço cuja idade por agora se desconhece, terá tido uma primeira ocupação pré-histórica, ainda incompletamente estudada, a que se seguiu, já no Holocénico um episódio de coluvionamento, no decurso do qual ocorreu a ocupação datada de 14 C 8820± 80 8740± 90.
  • que as características do depósito coluvionar, cuja componente argilosa varia entre 8 e 20%, proveniente de um substrato detrítico com 10 a 12% de fracção silto-argilosa, e 5 a 10% matéria orgânica mostram ter-se elaborado sob cobertura vegetal;
  • que a dinâmica das vertentes testemunhada pelo coluvião prossegui mesmo depois da ocupação humana, que terá sido esporádica, terminando por um episódio cascalhento;
  • que ocorreu novo depósito coluvionar.

  • Esta sucessão parecer enquadrar-se bem na proposta de Mateus e Queiroz (1993), segundo os quais o Holocénico antigo (10-8Ka BP) se terá caracterizado por ser um período relativamente húmido com importante desenvolvimento da vegetação, durante o qual a vertente do vale da Rªde Toledo terá sido utilizada pelos recolectores de mariscos. A relativa secura que marca o Holocénico médio (8-4ka BP) poderá ser a responsável pelo caracter cascalhento que o depósito evidencia no topo.


    O segundo episódio coluvionar pode já ligar-se à destruição progressiva da vegetação por intervenção antrópica.

     
    Bibliografia
    Araújo, C. (1998) O concheiro de Toledo (Lourinhã) no quadro das adaptações humanas do Pós-Glaciar no litoral da Estremadura. Revista Portuguesa de Arqueologia, Vol. 1, Nº. 2, p. 19 - 38

    Manuppella, G.; Antunes, M; Pais, J.; Ramalho, M.; Rey, J. (1999) Notícia explicativa da folha 30-A (Lourinhã) da Carta Geológica de Portugal, esc. 1 / 50 000. Serviços Geológicos de Portugal

    Mateus, J e Queirós, P. (1993) Os estudos de vegetação quaternária em Portugal: contextos, balanço de resultados, perspectivas. In Carvalho, G. S.; Ferreira, A. B.e Senna-Martinez, J, C. (Coord.) O Quaternário em Portugal. Balanço e perspectivas, Ed. Colibri, Lisboa, p.105-131

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