II Jornadas do Quaternário da APEQ; Porto, FLUP, 12-13 Outubro de 2000

EVOLUÇÃO PALEOAMBIENTAL QUATERNÁRIA DE SECTORES DA ZONA COSTEIRA DO NO DE PORTUGAL, RECORRENDO À APLICAÇÃO COMPLEMENTAR DE DIFERENTES METODOLOGIAS: GEOFÍSICA, SONDAGENS E DATAÇÕES.

ISABEL M. C. RIBEIRO

iribeiro@dct.uminho.pt
 

Depº Ciências da Terra, Universidade do Minho

1 . INTRODUÇÃO

A zona costeira, dada a sua localização geográfica, testemunha variações eustáticas do nível do mar, traduzidas em termos de regressões e transgressões, ocorridas durante o Quaternário. Estas variações do nível marinho, vão ficar registadas nas sequências estratigráficas que constituem a cobertura sedimentar da zona costeira. A acumulação destes depósitos vai, portanto, ocorrer em ambientes deposicionais distintos relacionados com flutuações do nível do mar e sob diferentes paleoclimas pelo que, é de esperar que os mesmos mostrem géneses e cronologias distintas.

Apesar das expressões superficiais da zona costeira se encontrarem, frequentemente, apagadas por processos erosivos, eólicos e de praia, e pela actividade antrópica, as características do subsolo encontram-se, felizmente, parcialmente preservadas. No entanto, nos tempos geológicos mais recentes (Holocénico) outros factores, nomeadamente os de natureza tectónica (MORNER, 1996b) terão exercido a sua influência nesses depósitos.

A necessidade de caracterizar o subsolo (cobertura sedimentar) suprajacente ao substrato rochoso (bedrock) torna-se óbvia, já que tal facto pode esclarecer sobre o modo como se processou a evolução da zona costeira. A investigação desenvolvida, apoia-se em:

1 — prospecção geofísica, com métodos eléctricos (sondagens eléctricas) e electromagnéticos (radar de penetração), com o objectivo de estabelecer a profundidade e continuidade lateral do bedrock e identificar possíveis acidentes neotectónicos, morfológicos e/ou estruturais, a afectar quer os sedimentos quer o próprio bedrock (os quais, se reactivados, poderão manifestar-se na sucessão sedimentar);

2 — sondagens mecânicas, para controlo da interpretação geofísica (ao permitir correlacionar o tipo de sedimento com assinaturas características evidenciadas pela geofísica);

3 — análise sedimentológica e cronológica das unidades sedimentares que cobrem o substrato rochoso, para obter informações quanto à sua natureza sedimentar e génese (ambientes de deposição e processos dinâmicos) e, datação por radiocarbono de alguns dos níveis siltosos com conteúdo orgânico da sequência sedimentar (para situar no tempo a evolução paleoambiental da zona).

2. CORRELAÇÕES

A investigação foi realizada nos sectores costeiros das Marinhas e Belinho localizados, respectivamente, a 4 e 6.5 Km a norte de Esposende, no seguimento de trabalhos de investigação (RIBEIRO, 1998, 2000a, b e c).

Marinhas, no sector estudado, é caracterizada (Figs 1a, b e c):

- por uma bacia de acumulação preenchida por sedimentos areno-siltosos, reflectindo ambientes de deposição marinhos

e fluviais (continentais), conforme foi evidenciado pelas sondagens mecânicas SMP (Fig.1b);

Figura 1 — a) Geofísica (sondagens eléctricas), assumindo resistividade aparente do bedrock de 200-400 Ohm metro, evidenciando a ruptura de pendor e o acidente estrutural (falha); b) sondagens mecânicas referenciadas ao nível médio do mar (NMM) actual, mostrando a sucessão de depósitos marinhos e fluviais; c) secção de radar evidenciando o paleorelevo.

- esta bacia diferencia-se da plataforma contígua por acidente morfológico inclinado para oeste, entre as posições

aproximadas de 30 e 90 m (confirmado tanto pelas sondagens eléctricas, Fig.1a, como pelo radar, Fig.1c), interpretado

como uma superfície de abrasão, ou paleorelevo, talhado pelo mar, provavelmente durante a última fase transgressiva

maior, ocorrida já no Holocénico;

- para leste desta superfície, o substrato rochoso aproxima-se gradualmente da superfície topográfica, sugerindo a

presença de uma plataforma de abrasão separada da área de sedimentação (plataforma de acumulação), para O

(Fig.1a);

- no extremo leste do perfil geofísico (posições 220-230 m), na ribeira do Peralta, as isolinhas de resistividade aparente,

para um e outro lado da ribeira, sugerem a presença de um acidente estrutural que parece ter condicionado a descida do

terreno do lado E, e a sua subida do lado O do acidente;

- as sondagens realizadas mostram que os sedimentos fluviais e marinhos que preenchem a bacia de acumulação, a

ocidente, se sobrepõem a uma camada de seixos rolados de quartzito, de tipologia marinha, de espessura

aparentemente crescente em direcção ao mar.

Na região do Belinho, cerca de 4.5 Km a norte de Marinhas, o estudo realizado procurou investigar as variações espaciais no comportamento dos sedimentos: segundo a orientação E-O, para obter informação transversalmente à plataforma costeira (Fig.2), e segundo a orientação N-S, para caracterizar as variações laterais ao longo da costa (Fig.3). No Belinho os dados geofísicos e sedimentológicos evidenciaram:

- a presença de uma bacia sedimentar caracterizada por um substrato rochoso de contornos irregulares, mas com

profundidades gradualmente decrescentes para leste;

- a subida do bedrock em direcção à superfície é notória para leste da posição 790-800 (Fig.2a) sugerindo que, nessa

zona, se localize a transição entre as plataformas de acumulação (a O) e a de abrasão (a E);

- a presença de várias zonas abatidas instaladas no bedrock, preenchidas por depósitos areno-siltosos; nalguns casos,

tais depressões apresentam turfas e sedimentos siltosos com diatomáceas (SBP1 e SBP3, Fig.2b), indicando que as

mesmas terão sido ocupadas por ambientes lagunares;

- tal como nas Marinhas, as sondagens revelaram a presença de uma camada de seixos depositados sobre o bedrock,


com tendência a tornar-se mais espessa para o lado do mar (SBPL2A, Fig.3b).

Figura 2 — a) Geofísica, assumindo resistividade aparente do bedrock de 200-400 Ohm metro, com profundidades gradualmente decrescentes para leste; b) sondagens mecânicas referenciadas ao NMM actual e datação por C14 de níveis turfosos; c) secção de radar evidenciando os dois níveis de turfa.

- observa-se uma extensa formação detrítica de seixo (por observação no terreno, presença de extenso depósito

superficial de elevada resistividade — > 1000 *m — na Fig.3a, e por SBPL2A, Fig.3b), sugerindo que, junto à costa

contemporânea da sua acumulação, possivelmente relacionada com a ocorrência de tempestades e galgamentos do mar

em fase transgressiva, se terá desenvolvido uma crista de seixos, a qual terá funcionado como uma barreira; numa fase

regressiva posterior, a acção eólica dominante terá provocado a sua total cobertura por dunas as quais, hoje se

encontram em degradação;

- tal crista de seixos terá isolado do mar a bacia sedimentar localizada mais a oriente; esta terá sido localmente

interrompida por uma linha de água (cujo paleocanal é evidenciado na posição 650, na Fig.3a e 3c), o qual terá

facilitado a penetração do mar para o interior e, a mistura de água doce e salgada, conferindo um carácter salobro às

lagunas (confirmado pelas espécies de diatomáceas identificadas, GRANJA, 1990).

Figura 3 - a) Geofísica realizada no lado leste da base da duna frontal, assumindo resistividade aparente do bedrock de 200-300 Ohm metro, evidenciando a formação de materiais de elevada resistividade (cascalho) e o paleocanal fluvial na posição de 650; b) sondagens mecânicas e datação de nível orgânico de SBPL1; c) secção de radar evidenciando o paleocanal.

3 . CONCLUSÕES

A investigação, realizada nos sectores costeiros das Marinhas e do Belinho (Esposende), e a interpretação dos dados geofísicos e sedimentológicos, permitiu reconhecer a presença de ambientes deposicionais caracterizados por sequências sedimentares acumuladas em diferentes fases regressivas e transgressivas.

O trabalho geofísico evidenciou a presençade acidentes morfológicos (em ambas as regiões) e estruturais (nomeadamente nas Marinhas) a afectar os depósitos quaternários da zona costeira. O estudo revelou ainda, a presença de bacias de acumulação preenchidas por depósitos de diferente natureza sedimentar consistindo em níveis alternantes de cascalho (seixo), areão, areia e silte, os quais foram interpretados como ambientes marinhos, eólicos, fluviais e lagunares. Nestas bacias, as zonas mais abatidas correspondem a paleocanais e/ou depressões preenchidas por sedimentos mais condutores (menos resistivos), provavelmente de natureza lagunar (estão presentes turfas e sedimentos siltosos com diatomáceas) e/ou fluvial (com sedimentos siltosos, provavelmente relacionados com a paleodivagação das linhas de água que atravessam estas regiões e desaguam no mar, a O).

Os dados sedimentológicos e geofísicos parecem apontar para a presença, na zona costeira investigada, de um sistema lagunar de idade holocénica, localizado em depressões da plataforma rochosa, onde ocorreu a acumulação de turfas e sedimentos siltosos com diatomáceas. As datações obtidas em alguns níveis orgânicos de sondagens realizadas na zona investigada (Figs 2b, e 3b), revelaram a sua permanência desde os 4000 até aos 1500 anos BP; tal ambiente, terá sido, posteriormente, colmatado por depósitos sucessivamente mais arenosos, evidenciando o carácter marinho do regime transgressivo que se seguiu.

A presente investigação mostrou que a aplicação combinada de diferentes metodologias, com particular ênfase para a existência de dados geofísicos articulados com elementos objectivos fornecidos por sondagens, constitui uma valiosa ferramenta para caracterizar o subsolo da zona costeira (cobertura sedimentar e substrato rochoso) e constatar da influência que o controle recente (neotectónico), morfológico e estrutural, pode exercer na evolução quaternária da zona costeira clarificando, assim, algumas dúvidas hoje existentes sobre a evolução paleoambiental de um sector, de si, difícil pela sua natureza e complexidade.

BIBLIOGRAFIA

GRANJA H. (1990) - "Repensar a geodinâmica da zona costeira: o passado e o presente: que futuro?", Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, Braga, 347 pp.

GRANJA H., RIBEIRO I.C., CARVALHO G.S., MATIAS M.J. S. (1999) - "Some neotectonic indicators in quaternary formations of the northwest coastal zone of Portugal", Physics and Chemistry of the Earth (A), Elsevier Science Ltd , 24, (4), p. 323-336.

MORNER, N.-A. (1996b) — "Sea level variability", Zeitschrift fuer Geomorphologie. N.F. supplementband Bd., 102, p. 223-232.

RIBEIRO, I (1998) — "Prospecção geofísica na zona costeira a norte de Esposende", In: Comunicações do IGM. Actas do V Congresso Nacional de Geologia, Tomo 84, fasc. 1, Lisboa, p. D85-D88.

RIBEIRO I. (2000a) — Geofísica aplicada ao estudo da evolução quaternária da zona costeira: exemplo da região do Belinho (Esposende). Resumo S07-21 da 2ª Assembleia Luso-Espanhola de Geodesia e Geofísica, p. 283-284.

RIBEIRO, I. (em publicação) — "Impacte do Homem sobre o ambiente geológico vs impacte do ambiente geológico sobre o Homem", Seminário sobre Geologia Ambiental, Depº Ciências da Terra, Univ. Minho, 23-25 Fevereiro 2000.

RIBEIRO, I. (em publicação) — "Estudo da evolução paleoambiental quaternária dos segmentos costeiros das Marinhas e Belinho (Esposende), com aplicação de métodos geofísicos aliados a sondagens mecânicas e datações",. In: Comunicações do IGM, Tomo 87 (2000).

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