II Jornadas do Quaternário da APEQ; Porto, FLUP, 12-13 Outubro de 2000

Vestiges of the quaternary glaciation in Cabreira mountain

Pereira, Paulo1 and Bento Gonçalves, António2

1. Geography and Planning, paolo@sapo.pt

2. Geography Depart., University of Minho, Campus de Azurém, 4810 Guimarães, bento@eng.uminho.pt

Key words:Cabreira mountain; sheltered character of the glaciation; cold vestiges; cartography.

Abstract:

The study of the Pleistocene glaciation in the north-west of Portugal has interested the scientific community since the end of the 19th century. In fact, in 1895 P. CHOFFAT had already referred to the possibility of a quaternary glaciation in Gerês mountain, although without presenting vestiges and concrete proof (G. S. CARVALHO; J. L. NUNES, 1981).

Of the north-west mountains, only Peneda and Gerês are considered by the academic community as mountainous areas affected by quaternary glaciations. Beside these, only in Cabreira mountain has there been identified evidence of quaternary glaciation.

The quaternary glaciations in Serra da Cabreira have been little studied until the present time. In his discourse about the municipality of Vieira do Minho written in 1923, J. C. ALVES VIEIRA referred to the "undeniable documents of the glacial era". But it was S. DAVEAU who, after having raised the possibility of such a glaciation (S. DAVEAU, 1977, 1980), presented in 1985 an important study with the collaboration of N. DEVY-VARETA.

The vestiges observed in Cabreira mountain should be seen as a result of glaciations which occurred due to very favourable regional and local geographic conditions. This justifies why in other higher places of the region similar manifestations aren’t seen. In fact, the Cabreira mountain (1262 metres high) is part of the condensation barrier formed by the mountains of the inner north-west. It is more affected by high rainfall (up to 3500mm per year) than for instance the taller Larouco mountain, which reaches a height of 1525 metres but is to the east of Gerês mountain (S. DAVEAU et al., 1977). This rainfall would have been even greater and predominantly in snow at the time of the north-west mountains glaciations. On the other hand the high slope angle, or the aspect of some slopes, may have created areas sheltered from the predominant westerly winds and the sun, leading to the development of snowfields and valley glaciers.

The proposed snow-line (about 1050 meters high) is about 100 meters lower than that proposed for Gerês mountain (G. COUDÉ-GAUSSEN, 1981; A. BRUM FERREIRA et al., 1999). This further emphasises the importance of the local morphological conditions, which have greater influence than even altitude and the local thermal gradient.

A systematic field survey of the forms and deposits related to the glacial morphogenesis of Cabreira mountain has led to detailed geomorphological mapping at a scale of 1:10.000.

The present work gathers preliminary results of these observations which, although not yet complemented by lab analysis, form the basis of a study that aspires to be expanded.


Vestígios da glaciação quaternária na Serra da Cabreira*

Pereira, Paulo1 e Bento Gonçalves, António2

1. Licenciado em Geografia e Planeamento, paolo@sapo.pt

2. Secção de Geografia, Universidade do Minho, Campus de Azurém, 4810 Guimarães, bento@eng.uminho.pt

Palavras-chave: Serra da Cabreira; carácter abrigado da glaciação; vestígios do frio; cartografia
Resumo

O estudo da glaciação plistocénica no Noroeste de Portugal tem interessado a comunidade científica desde os finais do século XIX. Com efeito, já em 1895 P. CHOFFAT se referia à possibilidade de uma glaciação quaternária na Serra do Gerês, ainda que sem apresentar vestígios e provas concretas (G. S. CARVALHO; J. L. NUNES, 1981).

Das serras minhotas, apenas a Peneda e o Gerês são consideradas pela referida comunidade como áreas montanhosas afectadas pelas glaciações quaternárias. Apenas na Serra da Cabreira (com altitude máxima de 1262 metros), para além das primeiras, se terão identificado implicações do frio quaternário enquanto glaciação, ainda que se verifiquem altitudes acima dos 1200 metros noutras montanhas da região. A Serra do Larouco ostenta mesmo altitudes semelhantes ao Gerês (1525 metros), o Marão atinge os 1415 metros, o Alvão (1329 metros) e o Barroso (1279 metros) ultrapassam igualmente a fasquia dos 1200 metros.

A glaciação quaternária na Serra da Cabreira é um assunto até hoje pouco estudado. J. C. ALVES VIEIRA, em 1923, na sua monografia sobre o concelho de Vieira do Minho, falava dos "incontestáveis documentos da era glacial". Mas, foi S. DAVEAU que avançou com a possibilidade dessa glaciação, a partir de um voo efectuado em 1977 com o intuito de identificar, nas serras do Noroeste português, vestígios geomorfológicos de origem glaciar. Após essas primeiras suspeitas (S. DAVEAU, 1977, 1980), um estudo com bastante profundidade foi apresentado por esta autora, em colaboração com a também geógrafa N. DEVY-VARETA, aquando da I.ª Reunião do Quaternário Ibérico, em Lisboa (S. DAVEAU, N. DEVY-VARETA, 1985) e, até à data, não houve outras investigações nesse âmbito na área da Serra da Cabreira.

De acordo com S. DAVEAU e N. DEVY-VARETA (1985), na Serra da Cabreira ter-se-ão verificado, nos tempos quaternários, condições favoráveis à ocorrência de fenómenos de erosão glaciar, mais precisamente no maciço culminante da Serra.

Os vestígios observados na Serra da Cabreira devem, no entanto, ser vistos como resultado de uma glaciação com condições geográficas regionais e locais muito favoráveis para a sua ocorrência, justificando-se assim o porquê de noutros locais mais elevados da região não se observarem tais manifestações. Com efeito, a Serra da Cabreira, sendo parte integrante da barreira de condensação formada pelas montanhas do interior minhoto, é mais afectada do que, por exemplo, a Serra do Larouco (que culmina a 1525 metros de altitude, mas a Este da Serra do Gerês) pelo regime das elevadas precipitações, que podem ascender aos 3500 mm anuais nos pontos mais elevados (S. DAVEAU et al., 1977) e que teriam sido ainda superiores e predominantemente em forma de neve aquando das glaciações nas montanhas minhotas. Por outro lado, quer o forte declive, quer a exposição de algumas vertentes, permitiram criar abrigo face aos ventos predominantes de Oeste e à insolação, tendo-se assim desenvolvido nevados e línguas glaciares.

O limite das neves perpétuas (l.n.p) proposto com o caso da glaciação da Serra da Cabreira (cerca de 1050 metros de altitude) baixa em cerca de 100 metros aquele proposto para a Serra do Gerês (G. COUDÉ-GAUSSEN, 1981; A. BRUM FERREIRA et al., 1999), o que pode indicar e valorizar ainda mais a importância das condições morfológicas locais, superior à da altitude e do gradiente térmico local.

A acção do frio quaternário na Serra da Cabreira não se limitou à acumulação de gelo nas vertentes abrigadas, sendo muito mais evidentes os vestígios de fenómenos periglaciares.

No caso da Serra da Cabreira, podemos supor como fundamentais os processos periglaciares que teriam decorrido durante os epísódios de glaciação, assim como na fase final do seu degelo. A fisionomia actual das áreas afectadas por esta dinâmica periglaciar, com uma vasta cobertura de lajes graníticas, que, a nosso ver, é o que mais determina a paisagem do maciço culminante, revela essencialmente processos de crioclastia e gelifracção, ou seja, o diaclasamento e fractura do granito por acção da alternância da água intersticial nos estados líquido e sólido, em curtos períodos de tempo.

As placas de granito, com uma espessura entre um e dois decímetros, algumas das quais com mais de um metro de comprimento, observam-se nos topos aplanados de Talefe-Chã de Lousas e do Toco, assim como nas suas vertentes ocidentais, onde, durante o período glaciar, os ventos frios de Oeste mais se fariam sentir, não permitindo aí o desenvolvimento de nevados, mas sim uma macrogelifracção dos afloramentos graníticos.

No que diz respeito à área de estudo, tal modelado de placas aparece nos referidos topos aplanados e nas vertentes ocidental e Norte do Toco, numa área que corresponderia, sensivelmente, ao Montado do Toco, um carvalhal do início do século XX (N. DEVY-VARETA, 1993). Junto às Fragas do Toco, na base da vertente ocidental, verifica-se a acumulação mais acentuada desse material, envolto numa matriz mais fina, tal como o referem S. DAVEAU e N. DEVY-VARETA (1985).

A nosso ver, esta cobertura de placas acontece, não só nas vertentes mencionadas pelas autoras, na margem esquerda das cabeceiras da ribeira de Vilar Chão e na margem direita da ribeira do Toco, mas também na vertente íngreme de Jadelo, onde se pode observar, quer a fracturação horizontal e em placas de grandes blocos de granito da Cabreira, quer uma extensa cobertura de gelifractos, na base sobre espessos depósitos aparentemente periglaciares.

As conclusões apresentadas pelas autoras sobre uma glaciação quaternária a Sul da Serra do Gerês, considerada como o limite meridional nos fenómenos glaciares do Noroeste da Península Ibérica, e a altitudes entre os 1200 e os 850 metros, podem ser vistas como duvidáveis ou pelo menos inesperadas. Esse estudo pretende, antes de mais, demonstrar como o frio quaternário teve influência na geomorfologia da vertente Norte da Serra da Cabreira, em função das condições favoráveis, regionais e locais aí verificadas.

Através de um levantamento sistemático de campo das formas e depósitos relacionados com a morfogénese glaciária na Serra da Cabreira, procedeu-se à cartografia geomorfológica de pormenor na escala 1:10.000.

O presente trabalho reune resultados preliminares dessas observações, ainda não complementados pela análise laboratorial e que correspondem ao início de um estudo que se pretende mais alargado.
 
 

Bibliografia

ALVES VIEIRA, J. C., Vieira do Minho — Notícia Histórica e Descriptiva, Edição do Hospital João da Torre, Vieira do Minho, 1923, 576 p.

BRUM FERREIRA, A. de, VIDAL ROMANI, J. R., ZÊZERE, J. L., RODRIGUES, M. L., A Glaciação Plistocénica da Serra do Gerês. Vestígios geomorfológicos e sedimentológicos, Relatório n.º 37, A.G.F.A., C. E. G., Lisboa, 1999, 150 p.

CARVALHO, G. S., NUNES, J. L., A problemática dos índices glaciários quaternários nas serras do Gerês e Peneda. Cuad. Lab. Xeol. de Laxe, 5, A Coruña, 1981, pp. 289-295.

COUDÉ-GAUSSEN, G., Les Serras da Peneda et Gerês, Memórias, CEG, n.º 5, Lisboa, 1981, 254 p.

DAVEAU, S., Um exemplo de aplicação da teledetecção à investigação geográfica. A glaciação quaternária das montanhas do Noroeste de Portugal, Finisterra, XII, 23, Lisboa, 1977, pp. 156-159.

DAVEAU, S., Técnicas novas em paleogeografia. O Atlântico Norte há 18 000 anos. Finisterra, 14 (27), Centro de Estudos Geográficos, Lisboa, 1979, pp. 82-86.

DAVEAU, S., Espaço e tempo. Evolução do ambiente geográfico de Portugal ao longo dos tempos pré-históricos, Clio, 2, Lisboa, 1980, pp. 13-37.

DAVEAU, S., COELHO, C., GAMA e COSTA, V., CARVALHO, L., Répartition et rhytme des précipitations au Portugal, Memórias do CEG, n.º 3, Lisboa, 1977, 192 p.

DAVEAU, S., DEVY-VARETA, N., Gélifraction, Nivation et Glaciation d’Abri de la Serra da Cabreira. Actas da 1.ª Reunião do Quaternário Ibérico, Vol. 1, Lisboa, 1985, pp. 75-84.

DEVY VARETA, N., A Floresta no Espaço e no Tempo em Portugal: o caso da arborização da serra da Cabreira, 1919-1975, Tese de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1993, 459 p.

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