I Jornadas do Quaternário da APEQ; Porto, FLUP, 12-13 Outubro de 2000
 

INUNDAÇÕES DO RIO DOURO: DADOS HISTÓRICOS E HIDROLÓGICOS

Cristina Aires*, Diamantino Insua Pereira* & Teresa Mira Azevedo**

*Departamento de Ciências da Terra, Universidade do Minho

**Departamento de Geologia, Universidade de Lisboa

A recolha e compilação de dados históricos das cheias, se bem que na sua maioria empíricos, constitui uma base indispensável para o estabelecimento das tendências do perigo ou dos desastres relacionados com as inundações.

No vale do Douro, tanto em território nacional, como em Espanha, encontram-se numerosas marcas que referenciam os níveis atingidos pelas grandes cheias do passado. Existem também referências escritas, de várias origens, sobre as maiores cheias ocorridas.

Em Espanha há referências, desde o ano de 1256, a inundações que afectaram as povoações de Salamanca, Valladolid e Zamora, mas destas cheias mais antigas não se encontrou ainda registo em território nacional. Em Portugal as localidades mais afectadas são o Porto, Vila Nova de Gaia e Peso da Régua. A cheia mais antiga de que há conhecimento remonta ao ano de 1526.

Algumas cheias históricas estão particularmente bem descritas, em virtude do seu impacte, com destaque para as de 1909 e 1962. Relativamente à cheia de 1860 há algumas referências que permitem considerar aceitáveis os registos existentes. Sabe-se que essa cheia, embora grande, foi inferior à de 1909, ao longo de todo o curso português do Douro.

O registo histórico refere, em geral, as cheias que se revestiram de carácter "extraordinário", não havendo memória daquelas que, com carácter anual (maior caudal registado), não provocaram prejuizos e, por isso não foram dignas de registo. O critério para a classificação das cheias do Douro em "extraordinárias" ou "normais" está bem definido. Na foz do rio designam-se cheias extraordinárias as cheias que ultrapassam a cota dos + 6,00 m, Z.H., medidos junto à ponte de D. Luis, na margem direita, por serem aquelas que galgam o cais da Ribeira (cota + 5,90 m), embora quando isso sucede, já Miragaia está inundada (+ 4,19 m). Relativamente ao Peso da Régua, são consideradas cheias extraordinárias aquelas que inundam a Avenida João Franco (cota Å 58 m), implicando uma subida do nível do rio de 13 m (caudal Å 6 000 m3/s) (fig. 1).

Fig. 1 - Caudais máximos instantâneos anuais verificados na Régua entre 1930/31 e 1995/1996. As cheias extraordinárias salientam-se acima da linha dos 6000 m3/s.

O regime hidrológico do Douro nacional é do tipo pluvial oceânico. O valor mínimo do caudal médio mensal ocorre em Agosto e o máximo ocorre em Fevereiro na sub-bacia de montante e em Março no sector português da bacia (em Portugal, a influência atlântica das precipitações é muito acentuada). Assim, e como mostra a figura 2, as cheias ocorrem essencialmente no Inverno e as estiagens no Verão.

Fig. 2 - Distribuição mensal da ocorrência de cheias registadas entre 1526 e 1996.

A partir do mais completo registo de caudais máximos instantâneos anuais (65 anos: 1931/32 -1994/95) e utilizando a Lei de Gumbel, foi possível determinar, para Peso da Régua, os caudais de cheia para diferentes períodos de retorno, assim como estimar os períodos de recorrência para as maiores cheias conhecidas naquela localidade (fig. 3).

Fig. 3 - Relação caudal / período de retorno, para o Peso da Régua.

As cheias extraordinárias do Douro caracterizam-se por um grande volume, rápida propagação, forte elevação do nível das águas (sobretudo nos troços mais estreitos) e por uma curta duração de 2 a 3 dias, dado que a descida do nível das águas se faz de um modo relativamente rápido, tal como se pode observar na fig. 4, com dados relativos ao ano de 1995/96, ano da última cheia. Desta cheia de 1996 e num balanço relativo apenas ao Distrito de Vila Real, resultaram prejuizos avaliados em 800000 contos. Refira-se que o período de retorno para o caudal máximo registado nesta cheia é de 10,2 anos.

Fig. 4 - Evolução dos caudais médios diários no ano 1995/96 no Peso da Régua.

O elevado valor que as pontas de cheia atingem no troço português do Douro resulta da combinação de vários factores como a intensidade de precipitação e a forma da bacia hidrográfica, pouco alongada em relação à dos seus afluentes. Estes apresentam-se sensivelmente paralelos entre si, com fortes declives, e sem leito maior. Têm, em alguns casos, grande comprimento quando comparado com os troços do curso principal compreendidos entre as suas embocaduras. As características de vale encaixado, a inclinação do leito do Douro e dos seus afluentes, a constituição geológica da bacia e a construção das barragens são também factores determinantes.

Sendo as barragens do troço português a fio de água, a sua capacidade de regularização é diminuta ou nula. Atesta-o o verificado na cheia de 1995/96 em que os caudais registados na Régua corresponderam a cerca de 88 vezes a capacidade da respectiva albufeira.

A análise dos dados disponíveis relativamente às cheias de 1989 e 1996 confirma a interpretação que vem sendo feita desde 1962, de que a ocorrência das cheias se deve, não a caudais excessivos provenientes de Espanha, mas sim aos caudais gerados principalmente nos afluentes portugueses, com especial destaque para os contributos dos sectores Águeda-Côa, Tua-Távora e Tâmega-Paiva.

Este trabalho desenvolve-se no âmbito do Projecto PRAXIS/C/CTE/14271/1998, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

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